Cidade de Blumenau, Brasil

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quarta-feira, 23 de junho de 2010

DOUTRINA DE RITA DE CÁSSIA ANDRADE (Juíza de Direito): Competência Residual e Extraordinária da União

A Incidência de Tributos Decorrentes da Competência Residual e Extraordinária da União e suas Circunstâncias Autorizadoras

Além dos impostos de competência privativa da União previstos no art. 153 da Constituição Federal de 1988, o art. 154, incisos I e II, proporciona um alargamento dessa competência, permitindo a possibilidade de instituições de impostos não especificados previamente e nominalmente em sua competência originária, tratando-se na primeira hipótese da competência residual da União, que poderá instituir novos impostos não previstos na sua competência atendidos determinados requisitos.

Os novos impostos devem ser instituídos mediante lei complementar; ser não cumulativos; não ter fato gerador e base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição, incluindo-se, aqui, todos os impostos de competência privativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Ou seja, além dos impostos de competência privativa da União, discriminados no art. 153, incisos I a VII, como o II, IE, IR, IPI, IOF, ITR, IGF, a União pode ampliar sua lista de impostos, o que não ocorre com os Estados, Distrito Federal e Municípios. A União dispõe ainda de outra oportunidade de utilização da competência residual, prevista no art. 195, § 4º, visando à instituição de novas contribuições sociais para custear a seguridade social, como veremos mais adiante.

A segunda hipótese de extensão fiscal prevista no art. 154, II, trata da competência extraordinária, onde na iminência ou no caso de guerra externa, a União poderá instituir impostos extraordinários compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos gradativamente, cessadas as causas de sua criação. Sendo que neste segundo caso, a flexibilidade dos conceitos de competência é justificada pelas situações de iminência ou instalação de conflito externo, onde o princípio da reserva das competências impositivas dos demais entes da federação sofre interferência da União, podendo instituir impostos extraordinários cujos fatos geradores podem ser tanto os de competência da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, ou mesmo de sua própria competência, mas com outros fatos geradores não previstos na regra matriz da Constituição.

2 Da Competência Residual

Nesta ordem de ideias, vejamos a dicção do art. 154, inciso I, da CF/88.

"Art. 154. A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham o fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição."

Emana desse dispositivo que cabe com exclusividade à União instituir, mediante lei complementar, outros impostos que não tenham fato gerador ou base de cálculo semelhante aos impostos discriminados na Constituição. É o poder da União de instituir novos impostos não previstos anteriormente pelo legislador constituinte. No Brasil, somente a União detém a competência residual para criar impostos diferentes de todos aqueles previstos na CF, circunstância não extensiva às demais entidades políticas.

Ante a possibilidade do exercício da competência residual pela União, a doutrina tradicional do grande jurista Luciano Amaro deixa consignado que "a lista de situações materiais que ensejam a incidência de impostos da União (art. 153) não é exaustiva, dado que outras situações podem ser oneradas por impostos federais" 1.

A opinião de Márcio Severo, por sua vez, no exame da evolução normativa no tocante ao exercício da competência residual, considera que a União "não poderá valer-se de materialidades que tenham sido indicadas e autorizadas pelo Texto Constitucional para impostos de competência das demais pessoas políticas de direito público interno, sob pena de violação ao princípio federativo" 2.

Cabe consignar que a Constituição Federal fixa a competência tributária da União de forma privativa (art. 153, CF) ou residual (art. 154, I, CF), contudo essa competência remanescente está sujeita a todos os princípios constitucionais tributários impostos aos demais tributos, notadamente o princípio da estrita legalidade, da isonomia, da capacidade contributiva, da irretroatividade, da anterioridade e da vedação de confisco.

A competência residual da União encerra certa complexidade, mormente por ser exclusiva, não se estendendo aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal, que não poderão exercê-la nem por meio de emendas às respectivas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, visto nesse contexto do direito fundamental que a admissibilidade da norma visa resguardar apenas os interesses da União.

Convém frisar, a propósito, que consoante o art. 146, III, a, da CF, os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos discriminados na Constituição, são matérias reservadas à lei complementar, entretanto, no caso da competência residual, a lei complementar não deve se limitar a definir apenas esses três elementos, devendo, pois, regular na integralidade todos os elementos da nova exação, como constituição do crédito tributário, lançamento, suspensão, extinção, exclusão, preferências etc., seja ela um imposto ou contribuição. Uma importante consideração a ser firmada, ainda, é que a competência residual é relativa somente aos impostos e contribuições para a seguridade social, não se estendendo às taxas e demais contribuições. No caso das contribuições para a seguridade social o legislador previu a criação de novas fontes de receitas destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecendo aos fundamentos da não-cumulatividade, fato imponível e base de cálculo diversos dos já especificados na CF, bem assim o princípio da anterioridade e noventena previstos no art. 150, III, a e c, e § 1º, e art. 195, § 6º, da CF.

Sobre as contribuições sociais, vale tecer uma breve consideração.

3 Das Contribuições Especiais

Além dos impostos da competência privativa, a União detém competência para instituir contribuições especiais previstas nos arts. 149 e 195 da CF/88:

"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

O art. 195, § 4º, traz o seguinte enunciado:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

§ 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecendo o disposto no art. 154, I.

(...)

§ 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b."

Sob a denominação de contribuições especiais se abrigam as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse das categoriais profissionais ou econômicas.

As contribuições sociais para a seguridade social, objeto da análise em tela, são aquelas que visam garantir o financiamento da seguridade social, destinado a assegurar os direitos sociais relativos à saúde, à previdência e à assistência social. E sua instituição encontra-se regulamentada nos dispositivos retro citados. Assim é que o financiamento da seguridade social pode ser feito de duas formas: através de recursos do orçamento fiscal, pagos de forma direta ou indireta pela sociedade, e por meio das contribuições previstas nos incisos I, a, b e c, II, III e IV, do art. 195 da CF, de responsabilidade do empregador e do empregado, da receita ou faturamento, sobre a receita de concursos de prognósticos e a nova contribuição do importador de bens e serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

Registre-se que as contribuições sociais previstas no art. 195 da CF só poderão ser exigidas após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias entre a data da publicação da respectiva lei que as houver instituído ou modificado, sem a necessidade de observância do princípio da anterioridade previsto no art. 150, III, b (art. 195, § 6º).

Por oportuno, é importante registrar que em face da faculdade de instituição de novas fontes de custeio para garantir a manutenção da seguridade social, prevista no § 4º do art. 195, esta deve ser instituída por meio de lei complementar, devendo ser não-cumulativa e não ter fato gerador e base de cálculo idêntica às contribuições já em vigor. Ressaltando, entretanto, que essa restrição não se aplica na criação de uma nova contribuição cujo fato gerador ou base de cálculo sejam semelhantes ao de um imposto.

O Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário nº 146.733-9/SP, decidiu que é legítima a coincidência da base de cálculo de contribuição social com a base de cálculo de imposto já existente: "O que veda a Carta, no art. 154, I, é a instituição de imposto que tenha fato gerador e base de cálculo próprios dos impostos nela discriminados. E o que veda o art. 195, § 4º, e que quaisquer outras contribuições sobre os fenômenos econômicos descritos nos incisos I, II e III do caput, que servem de fato gerador à contribuição social (...)" 3.

De igual modo, o STF, no julgamento do RE 258.470/RS, tendo como relator o Ministro Moreira Alves, firmou entendimento "que não se aplica às contribuições sociais novas a segunda parte do inciso I do art. 154 da Carta Magna, ou seja, que elas não devam ter fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados na Constituição" 4.

O mesmo raciocínio se verifica na decisão exarada no RE 228.321/RS, relatado pelo Ministro Carlos Veloso, manifestando que a regra de competência residual da União, no que se reporta a contribuições, não impede que as novas incidências tenham fato gerador ou base de cálculo de impostos. Acrescentando, ainda, que as contribuições criadas na forma do § 4º do art. 195 da CF, não devem ter fato gerador e base de cálculo das contribuições já existentes. Portanto, na trilha da interpretação lógica do art. 195, inciso § 4º da CF, resta evidente que a única ressalva em relação a novas contribuições sociais é que devem ser não-cumulativas e não ter fatos geradores ou base de cálculo próprias das contribuições já especificadas individualmente na Constituição 5. É importante ressaltar que no âmbito do custeio da seguridade social, a União, através da LC 84/96, já exerceu a competência residual para instituir nova contribuição para a seguridade, incidente sobre o valor pago pelas empresas e pessoas jurídicas aos servidores sem vínculo empregatício, segurados empresários, autônomos, trabalhadores avulsos e demais pessoas físicas, cooperativas de trabalho e instituições bancárias, agentes autônomos de seguros privados e entidades de previdência privada abertas e fechadas. Todavia, em relação à competência residual direcionada aos impostos, até hoje não houve a implementação de sua utilização pela União.

A extinta CPMF, diversamente do que muitos podem pensar, não foi criada com base na competência residual da União, e sim por meio de sua competência privativa, inicialmente através de Emenda Constitucional nº 12/96, prorrogada pelas Emendas ns. 21/99, 37/01 e 42/03, e finalmente rejeitada sua prorrogação através da PEC 89/07, pelo Senado, em dezembro de 2007. Demais, além de a sua criação ter ocorrido por emenda, era cumulativa, o que não é admitido na criação de contribuições com base na competência residual.

Assim, a competência para instituir contribuições sociais é privativa da União, ressalvado o direito dos Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem contribuição cobrada de seus servidores, para o custeio do regime previdenciário de caráter contributivo e solidário, conforme art. 149, § 1º, e art. 40, caput, da CF/88. De modo que, além dessa exceção, compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico para o custeio da seguridade social, que compreende um conjunto integrado de ações destinado a assegurar os direitos relativos à assistência à saúde, previdência social e assistência social.

As ações de saúde integram uma rede regionalizada e constituem um sistema único, conhecido pelo nome de SUS, o qual todos conhecem o seu difícil mecanismo de funcionamento. Já a previdência social, garante a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada, proteção à maternidade, auxílio desemprego, pensão, etc. A assistência social que deve ser prestada, em princípio, a quem dela necessitar, e independente de contribuição à seguridade social tem por objetivos a proteção à família, à maternidade, amparo às crianças, integração do mercado de trabalho, habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência, a promoção de sua integração à vida comunitária, além da garantia de um salário mínimo. São ações realizadas com recursos da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base em diretrizes previamente definidas na Constituição 6.

4 Impostos Extraordinários

A história registra que todas as nações que passaram por períodos de guerra tiveram que criar impostos para bancar suas despesas emergenciais. No Brasil, a primeira Constituição a autorizar a União instituir os impostos para financiar as situações de conflito ou sua iminência foi a de 1946, após a segunda guerra mundial, pois as Constituições anteriores se mantiveram omissas sobre o tema. Assim diante da possibilidade de participação do Brasil em luta armada, esses impostos podem ser instituídos de forma excepcional, mediante o cumprimento dos princípios que regem o Sistema Tributário Nacional, com exceção do princípio da garantia ou reserva das competências impositivas de cada entidade política, e do princípio da anterioridade. A Constituição Federal de 1967 e a sua Emenda nº 01 de 1969, assim como o atual Texto de 1988 mantiveram a previsão antecedente.

O art. 154, II, da CF/88, prevê a competência extraordinária da União nos casos de guerra externa ou sua iminência, segundo sua definição constitucional.

"Art. 154 (...)

II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação."

Assim, em função do que estatui o precitado art. 154, II, da Lei Magna, entendemos perfeitas as conclusões do insigne professor Roque Antonio Carrazza quando diz "o princípio da reserva das competências impositivas cede passo ao interesse maior da defesa da soberania nacional, ameaçada pelo estado de beligerância. Obviamente, por força do princípio da universalidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), o interessado (isto é, a pessoa que estiver sendo obrigada ou prestes a ser obrigada a pagar o imposto extraordinário) poderá provocar o Poder Judiciário, para que ele julgue da real existência deste estado de beligerância (máxime se a guerra externa não tiver sido declarada" 7.

Resta claro que os impostos extraordinários, pela sua própria natureza e finalidade, podem ser criados através de lei ordinária federal, sujeita ao processo legislativo comum, pois, como leciona o eminente tributarista Roque Antônio Carrazza, "segundo os ditames do ius gentium e, mais especificamente, dos arts. 49, II e 84, XIX, da CF). Não no caso ou na iminência de guerra intestina, tenha o nome que tiver (guerra civil, guerra revolucionária, convulsão social etc.). Também não cabem para possibilitar o reequipamento das Forças Armadas, salvo, é claro, se isto se der por motivo de guerra externa ou sua iminência.

Pensamos, ainda, que os impostos extraordinários somente poderão ser validamente instituídos, quando o País estiver diretamente envolvido na sua situação de beligerância, ou encontrarem-se prestes a nela entrar, com mobilização de tropas, retirada dos membros de missão diplomática, enfim, quando o Estado receber exigências de um Estado adversário cuja não aceitação implica declaração de guerra, etc. O Professor Roque Carrazza, na análise da instituição do imposto, afirma "que não basta esteja em curso, em qualquer parte do mundo, uma guerra externa, para que o Congresso Nacional possa criar as figuras exacionais em tela" 8. É preciso que haja envolvimento direto do Brasil.

Sob o aspecto normativo, embora a Constituição enfatize sobre as competências tributárias de cada ente da federação, bem como as limitações ao poder de tributar, não é demais repetir que os impostos oriundos do exercício da competência extraordinária estão sujeitos a todos os princípios constitucionais tributários, com exceção do princípio da reserva das competências instituídas na CF/88 (arts. 153, 155, 156) e o princípio da anterioridade, (art. 150, § 1º, da CF), justificado pelos seus próprios fins, que são a defesa da nação e sua soberania, ante uma situação de ameaça ou guerra externa. E como bem pondera Amílcar de Araújo Falcão na discussão da matéria, "é um dos poucos casos em que o direito público leva em conta o estado de necessidade" 9.

Nessa conjuntura singular, a União pode instituir um imposto extraordinário compreendido em sua competência ou de outra entidade política, sem a obrigatoriedade de inovação do fato gerador ou base de cálculo, podendo criar um adicional do IRPF, IRPJ, IOF, IPTU, ISS, ICMS de guerra, sem que haja solução de continuidade da competência originária em sua base. A entidade tributante continuará exercendo a sua arrecadação normalmente.

Trata-se de um regime de exceção. E como afirma Roque Carrazza "haverá aí, é certo, uma situação de bitributação; só que autorizada pela Carta Magna, e, portanto, válida" 10.

Alguns autores entendem que a arrecadação do imposto extraordinário é desvinculada do motivo que ensejou a sua cobrança, por força do disposto no art. 167, inciso IV da CF/88. Outros manifestam a ideia de que a receita da arrecadação dos impostos extraordinários só pode ser destinada para cobrir despesas atinentes a mobilização de forças para pôr fim ao conflito externo ou prevenir a sua instalação. Sobre esse assunto, e para uma compreensão mais completa do seu conteúdo, vale destacar o conteúdo do art. 167, inciso IV da CF, verbis:

"Art. 167. São vedados:

(...)

IV – a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundo ou despesas, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado pelo art. 212, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem assim o disposto no § 4º deste artigo."

Vê-se, portanto, que é vedada a vinculação da receita dos impostos para qualquer setor ou atividade, exceto as situações de divisão das receitas do Imposto de Renda, IPVA e ICMS entre os Municípios, divisão do Imposto de Renda através dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios e aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das regiões norte, nordeste e centro-oeste, manutenção de recursos para manutenção de ensino, e demais situações definidas no próprio texto da Constituição.

Entretanto, há de argumentar-se que essa ausência de vinculação e suas exceções são previstas para acontecer em tempo de paz, de convivência pacífica entre os povos. Porém, em se tratando de impostos extraordinários cujas circunstâncias autorizadoras são a guerra externa ou sua iminência, por evidente que o produto da arrecadação deve ter destinação específica, dirigida no sentido financiar todas as atividades destinadas a combater a guerra ou evitar que a mesma se instale.

O imposto extraordinário tem caráter provisório e terá a sua cobrança cessada gradualmente, gradativamente, após o término da situação que deu motivo à sua instituição. Esta é a leitura do art. 154, II, segunda parte. Não há, porém, um prazo predeterminado para isso, tendo a Constituição se limitado a aludir à supressão gradativa.

Já o art. 76 do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66, recepcionada, em grande parte, pela Constituinte de 1988, estabelece que:

"Art. 76. Na iminência ou no caso de guerra externa, a União pode instituir, temporariamente, impostos extraordinários compreendidos ou não entre os referidos nesta Lei, suprimidos, gradativamente, no prazo máximo de cinco anos, contados da celebração da paz."

Não obstante o CTN estipule um prazo máximo de cinco anos, contados da celebração da paz, para a supressão gradativa do imposto, entendemos que se trata de um termo interregno muito longo, que não condiz com a interpretação sistêmica e finalística da Norma Constitucional. Este imposto, uma vez instituído, deve ter a sua cobrança suspensa de forma breve, cessados os motivos que ensejaram a sua cobrança, evitando-se uma bitributação continuada.

Devemos enfatizar que entre nós os impostos extraordinários se legitimam pelas suas circunstâncias autorizadoras, fatos excepcionais, fora do comum, que permitem a instituição de impostos com o mesmo fato gerador e base de cálculo próprios dos já existentes no ordenamento vigente, e sua cobrança prolongada pelo período de até cinco anos, contados da celebração da paz, manifesta visível inconstitucionalidade do referido dispositivo.

Promovida a paz, ou frustrada a iminência de guerra externa, a União tem o dever de agilizar a revogação das normas disciplinadoras dos impostos extraordinários, sem maiores delongas, examinando cada circunstância particular que, dependendo do caso, pode exigir até um lapso temporal mais extenso.

Mas, no geral, o fato do Código Tributário Nacional fixar o limite de cinco anos para cessar com a cobrança do imposto, se sobrepõe aos ditames da Norma Constitucional onde não existe um prazo predeterminado para isso, tendo a Constituição se limitado a aludir à supressão gradativa, cessadas as causas de sua criação.

O ilustre Professor Roque Antônio Carrazza destaca que "os impostos extraordinários – é sempre o art. 154, II, da Carta Suprema que o proclama – não podem perdurar indefinidamente no tempo. Pelo contrário, devem ser gradativamente suprimidos, à medida que for cessando o estado de beligerância que os ensejou. Logo, celebrada a paz ou afastada a iminência de guerra externa, a União deve dar-se pressa em revogar as leis instituidoras dos impostos extraordinários". O festejado autor comunga com o pensamento do inesquecível mestre Aliomar Baleeiro, quando investe contra o art. 76 do CTN, que assinalou prazo para a retirada, do ordenamento jurídico, do imposto extraordinário (cinco anos contados da data da celebração da paz).

Roque Carrazza nos ensina, ainda, que tendo a Constituição se limitando a aludir à supressão gradativa, não poderia uma norma infraconstitucional (contida no CTN) restringir direitos da União. O máximo que podemos aceitar é que esta supressão deve ser efetivada o mais rapidamente possível observadas, no entanto, as peculiaridades de caso concreto 11.

Marco Aurélio Greco conclui no mesmo sentido entendendo, entretanto, que não haveria necessidade de revogação expressa: "Tratando-se de figura cuja existência decorre de uma determinada necessidade, sua validade depende de subsistência desta necessidade. Isto significa que, desaparecendo no plano dos fatos a necessidade que levou a sua instituição, a exigência esgota-se automaticamente, independente de revogação expressa da respectiva legislação (...)" 12.

5 Conclusão

De sorte que, caso aconteça uma terceira guerra mundial, e o Brasil tenha que se envolver em algum bloco de países para o combate, o governo brasileiro poderá se valer da faculdade prevista no art. 154, II, e também no art. 148, I, da CF, que tratam, respectivamente, dos impostos extraordinários e dos empréstimos compulsórios para atender as despesas extraordinárias, decorrentes da calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência.

No caso da instituição de empréstimos compulsórios de guerra acreditamos ser pouco viável a sua utilização pelo governo, pois além de depender de lei complementar, cujo processo legislativo exige um quorum qualificado, a tendência da União é sempre cobrar o imposto, pois dessa forma não terá a obrigação de devolver ou compensar no futuro. Mas há quem acredite que a escolha de um ou de outro tributo se dará por questões diversas, e dependendo do momento político, poderá ser adotada a opção mais favorável à opinião pública.

De todo modo, torna-se difícil falar taxativamente sobre a experiência do uso desses tributos, uma vez que tivemos a ventura de até hoje não vivenciarmos a sua aplicação prática, e longe de cogitarmos de sua utilização para cobrir gastos de uma luta armada.

Desse breve estudo sobre a competência residual da União, em relação aos impostos e contribuições, a competência especial para instituir empréstimos compulsórios e os impostos extraordinários em face de guerra externa ou sua iminência, conclui-se que isso deve ser feito com o emprego de todos os princípios constitucionais que regem o Sistema Tributário Nacional, com as ressalvas limitadas pelo próprio Texto Supremo. Devendo ser observados os princípios da isonomia e da certeza das relações jurídicas, com ênfase na estrita legalidade do tributo, todos muito bem expressos na Constituição vigente, pois deles decorre o encadeamento de direitos e garantias do contribuinte contra a arbitrária atuação estatal.
NOTAS
1 - AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 95
2 - MARQUES, Marcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 214.
3 - Recurso Extraordinário nº 146.733/9, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 06.11.92.
4 - Recurso Extraordinário, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 12.05.00.
5 - Recurso Extraordinário nº 228.321, Rel. Min. Carlos Veloso, DJ 12.05.00.
6 - Constituição Federal do Brasil, arts. 203/204.
7 - CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 563.
8 - Idem, p. 562.
9 - FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 48.
10 - Curso de Direito Constitucional Tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 564.
11 - Bis in idem, p. 563-564.
12 - GRECO, Marco Aurélio. Contribuições, uma figura "sui generis". Dialética, 2000. p. 134.
(Fonte: ANDRADE, Rita de Cássia. "A Incidência de Tributos Decorrentes da Competência Residual e Extraordinária da União e suas Circunstâncias Autorizadoras". Editora Magister - Porto Alegre).

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