Cidade de Blumenau, Brasil

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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA EM MATÉRIA TRIBUTARIA (por Marcelo Rocha dos Santos)

Indiscutivelmente, é da doutrina civilista que extraímos o conceito de obrigação acessória. Como nos ensina Caio Mário da Silva Pereira, "diz-se principal uma obrigação quando tem existência autônoma, independente de qualquer outra. E é acessória quando, não tendo existência em si, depende de outra a que adere ou cuja sorte depende". [6]
Por conseguinte, continua o mestre:
"a relação de dependência estabelecida entre a acessória e a principal tem várias consequências, todas porém subordinadas à regra geral accessorium sequitur principale. Assim, se a obrigação principal se extingue, a acessória automaticamente desaparece. A prescrição dela implica a desta. A ineficácia da principal por via de regra reflete na acessória; [...] Reciprocamente, a sorte da obrigação acessória não afeta a principal". [7]
Como se verifica, no Direito Civil, a obrigação acessória está, via de regra, condicionada à existência de uma obrigação principal. Desta forma, não há que se falar em obrigação acessória sem que haja, na mesma relação, uma obrigação principal que justifique a sua existência.
Ao analisarmos a legislação tributária, verificamos que próprio Código Tributário Nacional (CTN), ao reunir as obrigações principais e acessórias, ambas no artigo 113, o fez por influência da doutrina civilista, porquanto - sem se ater a minúcias - limitou-se a titular de “obrigações acessórias” as prestações positivas ou negativas de responsabilidade dos contribuintes no interesse da Administração na arrecadação ou fiscalização dos tributos:
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.” (Destaques nossos)
Ocorre que, no Direito Tributário, muito embora a influência da doutrina civilista tenha acabado por conferir à obrigação acessória este nomem juris, seu objeto está relacionado a deveres instrumentais que, embora de importância incomensurável para arrecadação tributária, não têm existência condicionada à obrigação principal.
Deste modo, o que se constata é que o conceito de obrigação acessória que inspirou a redação do artigo 113 do CTN, extraído do Código Civil de 1916 [8] – vigente à época da elaboração do CTN –, vincula a obrigação acessória a uma característica de dependência, que não deve prevalecer na esfera tributária. Veja-se, a este respeito, o disposto no antigo Código Civil:
"Art. 58. Principal é a coisa que existe sobre si, abstrata ou concretamente. Acessória, aquela cuja existência supõe a da principal."
Pode-se afirmar com segurança que condicionar a existência das obrigações acessórias às principais não foi o objetivo do legislador de 1966. Se assim fosse, por não subsistirem as acessórias ao adimplemento das principais, não teriam razão de ser as inúmeras obrigações acessórias a estamos todos submetidos para assegurar o interesse público de promover a fiscalização da arrecadação tributária.
Nesse contexto, oportuna a lição do professor Luís Eduardo Schoueri, que analisa a distinção entre obrigação principal e acessória:
"É corrente, no direito, que o acessório segue o principal. Por exemplo: no direito privado surge a fiança, como um contrato acessório ao contrato de locação. Se a locação for rescindida, não há sentido em falar na continuação da fiança. Não é preciso rescindir a fiança separadamente, já que o acessório segue o principal. No caso da 'obrigação acessória' não é assim. O fato de um contribuinte recolher todo o tributo não o exime, por exemplo, do dever de apresentar uma declaração relativa ao tributo, ou de suportar fiscalização. [...] A obrigação 'acessória' não se vincula à principal. A acessoriedade, no caso, nada tem a ver com sua subordinação a uma 'obrigação principal'; a expressão é empregada, antes, para identificar o seu caráter instrumental, já que tem por finalidade assegurar o cumprimento daquela". [9]
Como se nota, diferentemente do Direito Civil, em que o acessório segue o principal, no Direito Tributário, a obrigação acessória assume um caráter autônomo, sem relação de interdependência com a obrigação principal.
Isso se revela ainda mais evidente quando trazemos à baila o exemplo já consagrado na doutrina, segundo o qual, na venda de papel utilizado na fabricação de livros, muito embora não haja incidência de impostos (obrigação principal) por força da imunidade constitucional [10], subsiste a obrigação (acessória) de emitir nota fiscal.
Inegável, portanto, que a obrigação acessória subsiste à obrigação principal, e a ela não se vincula. Por conseguinte, em que pese as respeitáveis opiniões divergentes, em nosso entendimento, a obrigação acessória, no contexto do Direito Tributário, tem natureza jurídica de obrigação autônoma, que se constitui na obrigação de fazer, de não fazer ou ainda de tolerar.
Nesse mesmo sentido é a arguta doutrina do professor Luciano Amaro:
"A acessoriedade da obrigação dita 'acessória' não significa (como se poderia supor, à vista do princípio geral de que o acessório segue o principal) que a obrigação tributária assim qualificada dependa da existência de uma obrigação principal à qual necessariamente se subordine. As obrigações tributárias acessórias (ou formais ou ainda instrumentais) objetivam dar meios à fiscalização tributária para que esta investigue o controle do recolhimento de tributos (obrigação principal) a que o próprio sujeito passivo da obrigação acessória, ou outra pessoa, esteja, ou possa estar, submetido. Compreendem as obrigações de emitir documentos fiscais, de escriturar livros, de entregar declarações, de não embaraçar a fiscalização etc." [11]
Destarte, não obstante o próprio CTN tenha denominado "acessórias" as obrigações que se prestam a dar subsídios à Administração no interesse da arrecadação tributária, estas obrigações ditas acessórias, numa análise acurada, se revelam autônomas.
Aliás, o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu por diversas vezes – ainda que de forma indireta – a autonomia das obrigações acessórias em relação às obrigações principais, na seara tributária:
"O atraso na entrega da declaração do Imposto de Renda é ato puramente formal, sem qualquer vínculo com o fato gerador do tributo, e como obrigação acessória autônoma não é alcançada pelo art. 138 do CTN [...]." (Destaque nosso) [12]
"É cabível a aplicação de multa pelo atraso ou falta de apresentação da DCTF, uma vez que se trata de obrigação acessória autônoma, sem qualquer laço com os efeitos de possível fato gerador de tributo, exercendo a Administração Pública, nesses casos, o poder de polícia que lhe é atribuído." (Destaque nosso) [13]
"As obrigações acessórias autônomas não têm relação alguma com o fato gerador do tributo, não estando alcançadas pelo art. 138 do CTN." (Destaque nosso) [14]
Constatada, de forma decisiva, a autonomia da obrigação acessória em relação à principal, no campo do Direito Tributário, resta-nos, então, analisar a possibilidade de vinculação da multa por inobservância dos deveres instrumentais a percentual do montante a que corresponde a obrigação principal.
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Notas:
[6] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. II - Teoria Geral das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 120.
[7] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. II - Teoria Geral das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 122.
[8] Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916.
[9] SCHOUERI. Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 415.
[10] CF, art. 150, VI - Papel
[11] AMARO. Luciano. Direito Tributário Brasileiro - 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 243.
[12] Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma. Recurso Especial nº 396.698. Relator: Luiz Fux.
[13] Superior Tribunal de Justiça (STJ), Primeira Turma. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento no Recurso Especial nº 507.467. Relator: Luiz Fux.
[14] Superior Tribunal de Justiça (STJ), Segunda Turma. Recurso Especial nº 331.849. Relator: João Otávio de Noronha.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/23071/sobre-a-ilegitimidade-da-cobranca-de-multa-por-atraso-na-entrega-da-declaracao-de-ajuste-anual-do-imposto-sobre-a-renda-da-pessoa-fisica-com-base-em-percentual-do-imposto-devido/3#ixzz2D49fF4zj

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