Cidade de Blumenau, Brasil

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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

STJ reconhece direito dos contribuintes à restituição de crédito tributário pago após a ocorrência da prescrição (artigo de Amal Nasrallah)

As normas jurídicas estipulam prazos para um sujeito exercer seu direito via ação judicial. Se o interessado permanece inerte e a ação não é ajuizada dentro do tempo previsto na lei, ocorre a perda do direito de ajuizar a ação, vale dizer, de exigir em juízo a prestação. Trata-se da prescrição, instituto que leva à perda do direito de ação, caso o seu titular não a exerça no prazo legal.

Contudo, isto não significa que o direito material se extingue também. Exemplo bem claro disso é a cobrança de crédito representado por um cheque. O prazo prescricional para o credor ajuizar uma ação de execução (que é uma ação rápida) é de seis meses a partir da apresentação do título, ou a contar da expiração do prazo da apresentação do cheque. Disto decorre que, passados os mencionados seis meses não é mais possível ajuizar ação de execução, mas o direito sobre o crédito não é atingido e, assim, o credor ainda tem o direito de ajuizar, por exemplo, uma ação monitória para cobrar o seu crédito, cujo o prazo prescricional é de cinco anos.
Como se vê, a extinção do direito de ação não implica necessariamente na perda do direito ao crédito em si, como no caso do exemplo.
No direito tributário, o artigo 174 do CTN estabelece que a ação para a cobrança pelo fisco do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Ocorre que, o STJ, em decisões recentes, vem entendendo que a prescrição tributária é diferente da prescrição aplicável ao direito civil, pois na primeira hipótese, a prescrição implica na extinção do próprio crédito tributário, e não apenas o direito de exigir o crédito via ação judicial. Esta posição da Corte Superior está embasada no art. 156, V do CTN, que enuncia que a prescrição extingue o crédito tributário.
Apesar de profundamente doutrinário, o entendimento tem implicação prática muito importante, pois é extremamente comum contribuintes desavisados pagarem, inclusive por meio de parcelamentos, créditos tributários após a ocorrência da prescrição. Se a prescrição tributária implica na própria extinção do crédito (e não apenas na extinção do direito de ação), a consequência é que estes contribuintes têm direito de ir ao Judiciário pedir a restituição dos valores pagos que já estavam prescritos.
Segundo Eurico Marcos Diniz Santi, que estudou profundamente o tema “o pagamento do crédito tributário prescrito faz surgir para o contribuinte o direito ao débito do Fisco, pois a prescrição extingue o crédito tributário, conforme determina a regra da prescrição do direito do Fisco ao crédito” (Revista Dialética de Direito Tributário, nº 62, fls. 42).
Seguem abaixo, dois precedentes importantes do STJ sobre o tema:
“CIVIL E TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO EXTINTO NA FORMA DO ART. 156, V, DO CTN. PRECEDENTES.
1. Consoante decidido por esta Turma, ao julgar o REsp 1.210.340/RS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 10.11.2010), a prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional. Em que pese o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representar um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN. Precedentes citados.
2. Recurso especial não provido”. (REsp 1335609/SE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 22/08/2012)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO EXTINTO NA FORMA DO ART. 156, V, DO CTN. PRECEDENTES.
(…)
2. A prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional.
3. Em que pese o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representar um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN.
4. Recurso especial não provido. (REsp 1210340/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 10/11/2010)

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: sócio só responde por dívida em caso de abuso

Dívida de pessoa jurídica só pode ser transferida aos sócios em casos de abuso de personalidade jurídica ou de confusão patrimonial. Foi o que relembrou a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao negar pedido da União, em Agravo de Instumento, para incluir dono de pizzaria no polo passivo de uma ação de execução fiscal.

A decisão de primeiro grau já havia sido tomada no mesmo sentido, o que levou a União a recorrer. De acordo com o relator da matéria na segunda instância, juiz convocado Marcelo Dolzany da Costa, dívidas de FGTS não podem ser repassadas aos sócios da empresa por inaplicabilidade do inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional.
O dispositivo diz que os diretores, gerentes ou representantes legais de pessoas jurídicas “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. Para o relator, a norma só cabe se ficar demonstrado que a inadimplência decorreu de atos dolosos ou culposos, “o que não restou demonstrado pela apelante no caso em comento”, completou Dolzany da Costa.
Para a 1ª Turma, o pedido vai contra o que diz a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, decidiram, não ficou comprovado o abuso da personalidade jurídica.(Fonte: TRF/1 - AGA 0025988-38.2012.4.01.0000/AM)

PROCESSO: STJ eleva de R$ 15 mil para R$ 300 mil honorários

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça elevou de R$ 15 mil para R$ 300 mil o valor dos honorários advocatícios em ação de execução fiscal extinta por renúncia da Fazenda Nacional. Por maioria de votos, os ministros consideraram que a renúncia só ocorreu após a contestação da cobrança. De acordo com a jurisprudência do STJ, a fixação de verba honorária deve ser feita com base em critérios que levem em consideração a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional.

O relator do caso, ministro Humberto Martins, afirmou que, mesmo a ação tendo sido extinta por requerimento da Fazenda Nacional, é preciso considerar o trabalho e a responsabilidade dos advogados e o tempo exigido para o serviço.
Segundo os advogados, o valor inicial da execução fiscal promovida em março de 2005 era de R$ 312 milhões — atualizados, ultrapassam R$ 720 milhões. A dívida foi contestada em exceção de pré-executividade, com a alegação de inexistência de título líquido, certo e exigível.
Em primeiro grau, a verba honorária de sucumbência foi fixada em R$ 500. Ao julgar apelação, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região elevou-a para R$ 15 mil. Ainda assim, os advogados alegaram que o montante era irrisório, pois representava 0,0021% do valor atualizado da causa.
Humberto Martins ressaltou que o STJ só modifica valores de honorários quando se mostrarem irrisórios ou exorbitantes. No caso, ele entendeu que o montante era mesmo irrisório, razão pela qual acatou Agravo Regimental para dar provimento ao Recurso Especial, elevando os honorários sucumbenciais para R$ 300 mil. Os demais ministros da Turma acompanharam o voto do relator, com exceção do ministro Herman Benjamin, que ficou vencido.
Como terceiros interessados, a Seccional de Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu para ser admitida no processo na qualidade de assistente simples, e o Conselho Federal da OAB pediu para entrar como Amicus Curiae.
O minsitro Humberto Martins observou que as instituições não faziam parte do processo e que não foi demonstrado o interesse jurídico. Diante da inexistência de previsão legal para o ingresso na ação, os pedidos foram negados. (Fonte: STJ - REsp 1307229)

STF deve decidir sobre interrupção de prescrição fiscal (artigo de Rodrigo Rodrigues de Faria)

Há pouco mais de dois anos, em decisão do então ministro do STJ Luiz Fux, foi afetado à 1ª Seção daquela Corte o julgamento do Resp 1.120.295/SP, na sistemática dos recursos representativos de controvérsia.

De acordo com o despacho que determinou a afetação, pretendia-se sedimentar a questão relativa ao “termo inicial do prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança judicial dos créditos tributários declarados pelo contribuinte (mediante DCTF ou GIA, entre outros), mas não pagos”.
À época, a corte já havia pacificado a questão de que a declaração apresentada pelo contribuinte era suficiente para constituir o crédito tributário (REsp 962.372/RS e REsp 1.123.557/RS, ambos na sistemática dos “recursos repetitivos”, além da Súmula 436/STJ).
Todavia, Fisco e contribuintes ainda controvertiam quanto ao termo inicial da contagem do prazo prescricional, nesses casos. Estes, em regra, pugnavam pela contagem a partir do vencimento do tributo. Aquele, a partir da data da entrega da declaração, uma vez que na imensa maioria dos tributos sujeitos a lançamento por homologação o vencimento precedia a entrega da declaração.
A título de ilustração, confira-se o seguinte precedente, que retrata adequadamente a divergência então existente, com destaques meus:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO CONFIGURADA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO VIA DCTF. DÉBITO DECLARADO E NÃO PAGO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA.
[...]
3. "Divergências nas Turmas que compõem a Primeira Seção no tocante ao termo a quo do prazo prescricional: a) Primeira Turma: a partir da entrega da DCTF; b) Segunda Turma: da data do vencimento da obrigação." (REsp 644.802/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 27.03.2007, DJ 13.04.2007, p. 363).
4. Devem-se distinguir duas situações: a) hipóteses em que a declaração é entregue antes do vencimento do prazo para pagamento (v.g. Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física); e, b) casos em que a entrega da declaração se dá após o vencimento da obrigação (v.g. DCTF).
5. Na hipótese "a" — declaração entregue antes do vencimento do prazo para pagamento —, o lapso prescricional começa a fluir a partir do dia seguinte ao do vencimento da obrigação (postulado da actio nata). Isso porque, "no interregno que medeia a declaração e o vencimento, o valor declarado a título de tributo não pode ser exigido pela Fazenda Pública, razão pela qual não corre o prazo prescricional da pretensão de cobrança nesse período." (REsp 911.489/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 10 de abril de 2007, p. 212).
6. Na hipótese "b" — entrega da declaração após o vencimento da obrigação — não se pode cogitar do início da fluência do lapso prescricional antes da entrega da declaração, ainda que já vencido o prazo previsto em lei para pagamento, simplesmente porque não há crédito tributário constituído. É a declaração que constitui o crédito, fluindo, até a sua entrega, apenas o prazo decadencial.
[...]
9. Embargos de Declaração parcialmente acolhidos, com efeitos modificativos, para conhecer do Recurso Especial e negar-lhe provimento.
(EDcl no REsp 363.259/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15 de maio de 2007, DJe 25 de agosto de 2008)
O julgado de origem (Processo n. 2002.61.82.056792-7, do TRF da 3ª Região), no caso do REsp 1.120.295/SP, implicitamente considerou a contagem a partir do vencimento da obrigação. Essa conclusão se extrai da circunstância de que o acórdão recorrido menciona apenas as datas de vencimento dos tributos em cobro (de 02/1997 a 01/1997) e do ajuizamento da execução fiscal (05/03/2002), concluindo daí ter havido o decurso do lustro prescricional.
Dado esse contexto, esperava-se apenas que o STJ sedimentasse a questão do termo inicial da contagem do prazo prescricional nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, declarados e não pagos pelo contribuinte. Afinal, essa era a questão tida por repetitiva a merecer julgamento na sistemática do artigo 543-C, do CPC, conforme consta do despacho de afetação.
Todavia, para surpresa da comunidade jurídica[1], a corte avançou, também, sobre o termo final da contagem do prazo prescricional, acerca do qual não havia sequer controvérsia nos autos, vez que o tribunal a quo já havia considerado a data do ajuizamento da execução fiscal como marco interruptivo da prescrição.
O julgamento que deveria trazer maior segurança jurídica para as relações entre o Fisco e os contribuintes tornou-se, ele próprio, fonte de insegurança. Isso porque, até então, a corte apresentava entendimento prevalecente no sentido de considerar o termo final da prescrição no momento de sua interrupção, vale dizer, na data da citação do devedor. Aliás, é nesse contexto que surge a Lei Complementar 118/2005, a qual teve por fim preservar os interesses do Fisco ante as inúmeras situações em que não era possível citar o devedor, o que conduzia à extinção do crédito tributário por força da prescrição.
É bem verdade que o STJ já vinha admitindo a aplicação do entendimento enunciado na Súmula 106/STJ em execuções fiscais tributárias. A diferença específica do julgado em questão é que a corte manifestou expressamente, sem que houvesse qualquer precedente do tribunal no mesmo sentido, a incidência da norma contida no parágrafo 1º, do artigo 219, do Código de Processo Civil.
Pelo contrário, precedente havia que reconhecia a impossibilidade de tal incidência, por impedimento constitucional. Confira-se a ementa do aludido aresto:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL — EXECUÇÃO FISCAL — PRAZO PRESCRICIONAL — INTERRUPÇÃO — CITAÇÃO VÁLIDA — REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 174, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CTN — ERRO MATERIAL — OCORRÊNCIA — ANÁLISE DE MATÉRIA ESTRANHA AOS AUTOS — POSSIBILIDADE DE EFEITOS INFRINGENTES — EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS.
[...]
3. A prescrição do crédito tributário vem disciplinada no CTN e, por exigência constitucional, somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, não se aplica a regra do artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, segundo o qual a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, se a citação for válida. Aplica-se o disposto no artigo 174, parágrafo único, I, do CTN.
4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para sanar o erro material e negar provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional.”
(EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 1038753/RJ, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 6 de novembro de 2008, DJe 28 de novembro 2008)
A conclusão que nos resta é de que o sapateiro foi além das sandálias, não havendo no horizonte esperanças de que tal entendimento seja revisto na própria corte por ocasião dos embargos de declaração, ainda pendentes de julgamento, vez que o relator por sucessão é o ministro Napoleão Nunes Maia, que já manifestou recentemente sua concordância com o entendimento firmado naquela assentada (AgRg no REsp 1265025/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17 de novembro de 2011, DJe 10 de fevereiro de 2012).
Aos contribuintes resta o Supremo Tribunal Federal, que poderá realinhar a jurisprudência nacional sobre a questão, adequando-a à Constituição.
Cumpre frisar que a Corte Suprema, quando do julgamento do RE 556.664, reconheceu serem as normas que tratam da prescrição e decadência tributárias possuidoras de natureza geral, estando, por isso, reservadas à veiculação por lei complementar desde o regime constitucional anterior.
Por essa razão, qualquer dispositivo do atual Código de Processo Civil — de 1973 — que discipline prazo, termos inicial e final e causas de interrupção e suspensão da prescrição não pode ser aplicado quando se trata de cobrança de crédito tributário, sob pena de afronta ao artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal.
Saliente-se, também, que a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação, contida no artigo 219, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, foi dada pela Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, lei ordinária editada sob a égide da Constituição de 1988.
Aqui cabe uma breve digressão, acerca da lei supracitada, vez que relacionada à Súmula 106/STJ, frequentemente aplicada em execuções de créditos tributários.
O artigo 219 do CPC, desde a redação original, sempre estabeleceu a citação como o evento que interrompe a prescrição. E como é cediço, trata-se de ato complexo iniciado com o despacho que o determina. Por esta razão, somente há falar em citação quando completadas todas as etapas previstas em lei. O legislador, no entanto, permitiu que o efeito interruptivo se revelasse no momento em que se inicia a citação, vale dizer, naquele em que é feito o despacho inicial, desde que fossem cumpridas determinadas condições pelo autor, nos prazos assinalados.
Não raro, tais prazos não eram cumpridos, em função da histórica lentidão do Poder Judiciário, o que eventualmente ensejava a alegação de prescrição por parte do réu. Em função disso, o hoje extinto Tribunal Federal de Recursos, no ano de 1981, editou a Súmula 78/TFR, cujo teor era o seguinte: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição”.
A Súmula 106/STJ, editada em 26 de maio de 1994, nada mais é do que uma atualização do referido enunciado, com uma ligeira modificação, para acrescentar o termo decadência: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadencia.
Ressalte-se, ademais, que os precedentes de edição dos referidos enunciados são todos relacionados a matéria diversa da tributária, que sabidamente tem regramento próprio no tocante à prescrição.
Editada a Súmula 106/STJ, alguns meses depois o Congresso Nacional aprova a Lei 8.952, para, dentre outras modificações, atribuir ao parágrafo 2º, do artigo 219, do CPC, a seguinte redaçãos: “parágrafo 2o — Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário”.
O entendimento que antes era apenas jurisprudencial ganha consagração legislativa, tornando, evidentemente, inócua a súmula, vez que seu enunciado foi incorporado ao texto legal. Esse é o entendimento, aliás, de Lima Júnior (2010)[2], para quem “a alteração do CPC pela Lei 8.952/1994 já autoriza concluir, de plano, pela inocuidade da Súmula 106 no hodierno ordenamento jurídico, haja vista que seu enunciado foi incorporado ao próprio texto legal. Dita súmula prestava-se a fixar interpretação jurisprudencial a respeito da redação originária do artigo 219. Na medida em que essa interpretação foi corporificada na lei processual, pode-se concluir que tal súmula para nada mais se presta. Em outro dizer, ficou superada com a alteração legislativa”. (p.95)
Portanto, na medida em que as súmulas, excetuadas as vinculantes, não têm caráter normativo, quando os tribunais aplicam o entendimento da Súmula 106/STJ na cobrança de crédito tributário, estão fazendo incidir o disposto no parágrafo 2º, do artigo 219, do CPC, o que, pelas mesmas razões já declinadas, também viola a Constituição.
Logo, a jurisprudência capitaneada pelo STJ mostra-se em conflito com a Constituição Federal, seja quando determina a aplicação do artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, seja quando se vale da Súmula 106/STJ, que hoje corresponde à incidência do parágrafo 2º, do mesmo artigo supracitado.
Registre-se que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em recurso extraordinário que trata de questão análoga. Trata-se do RE 636.562/SC, de relatoria do ministro Joaquim Barbosa, cuja decisão restou assim ementada:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO — ADMINISTRATIVO — FINANCEIRO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MARCO INICIAL. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR DE NORMAS GERAIS PARA DISPOR SOBRE PRESCRIÇÃO. SUPREMACIA DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL POR FORÇA DA CONSTITUIÇÃO. ART. 173 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. ART. 40, § 4º DA LEI 6.830/1980 (REDAÇÃO DA LEI 11.051/2004). ART, 146, III, B DA CONSTITUIÇÃO. Possui repercussão geral a discussão sobre o marco inicial da contagem do prazo de que dispõe a Fazenda Pública para localizar bens do executado, nos termos do artigo 40, parágrafo 4º da Lei 6.830/1980.
(RE 636562 RG, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 21 de abril de 2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 30 de novembro de 2011 PUBLIC 01 de dezembro de 2011 )
Sem dúvida alguma de que a conclusão a ser adotada nesse RE há de indicar as chances de êxito em eventual alçada de recurso específico sobre a matéria, oportunizando, inclusive, a modificação da jurisprudência do STJ sponte sua.
Enquanto isso não acontece, é possível constatar que já surgiram decisões na linha do que foi defendido até aqui — pelo menos no tocante ao parágrafo 1º, do artigo 219. Confiram-se os seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SÚMULA Nº 106/STJ.
1. A prescrição é matéria de ordem pública, suscetível de ser alegada a qualquer momento e, inclusive, conhecida de ofício pelo julgador.
2. Aplica-se o prazo quinquenal estipulado no artigo 174 do CTN, segundo o qual a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos contados da data da sua constituição definitiva.
3. Considerando que a propositura da ação ocorreu em 24 de abril de 2002, às vésperas da prescrição do crédito tributário (12 de maio de 2002), afasta-se a aplicação da Súmula 106 do STJ e conclui-se que o crédito exequendo restou atingido pela prescrição, porquanto decorridos mais de 05 (cinco) anos entre a constituição do crédito tributário e a citação da executada.
4. As causas interruptivas da prescrição do crédito tributário estão disciplinadas no artigo 174, parágrafo único e incisos, do Código Tributário Nacional. Assim, não se aplica, na hipótese, o artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, sobretudo, porque há lei especial que regula a questão, bem como pelo fato de que, de acordo com a Constituição da República, artigo 146, inciso III, alínea 'b', cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição.
(TRF4, AC 0002811-71.2011.404.9999, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 18 de abril de 2011)
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. § 2º DO ART. 8º DA LEI Nº 6.830/80. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. § 1º DO ART. 219 DO CPC. INAPLICABILIDADE.
1. A prescrição do crédito tributário é matéria reservada à lei complementar, não se aplicando a regra do artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, segundo o qual a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação.
2. A Corte Especial deste Tribunal, no julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade 2007.71.99.009242-1, declarou, sem redução de texto, a "inconstitucionalidade parcial do parágrafo 2º do artigo 8º da Lei 6.830/1980, limitando os efeitos da declaração às dívidas de natureza tributária".
3. Hipótese em que a interrupção da fluência do prazo prescricional ocorre com a citação pessoal do executado, na forma do inciso I do parágrafo único do artigo 174 do CTN, com a redação anterior à LC 118/2005.
(TRF4, AC 200572010016483, Primeira Turma, Relator Jorge Antônio Maurique, D.E. 23 de março de 2010)
Contudo, não é possível deixar de notar que a tentação do alinhamento, notadamente em relação aos casos julgados na sistemática do artigo 543-C, do CPC, é muito forte, pois permite ao Judiciário, que já se encontra abarrotado, produzir maior número de decisões em menor tempo, bastando mencionar o leading case.
De todo modo, aguardemos os próximos desdobramentos jurisprudenciais.

[1] Revista Consultor Jurídico, “STJ vota tese não levantada em recurso repetitivo”, de 22 de junho de 2010 (http://www.conjur.com.br/2010-jun-22/julgar-recurso-repetitivo-stj-vota-tese-nao-mencionada-antes)
[2] LIMA JÚNIOR, José Gonçalves de. Interrupção da Prescrição na Execução Fiscal: Involução e Inconstitucionalidade da Recente Decisão do Superior Tribunal de Justiça. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 181, p. 89-108, Outubro/2010.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tributação de medicamentos


Brasil é líder mundial em tributação de remédio

Entre 38 países, o Brasil é hoje recordista no nível de tributação sobre os medicamentos vendidos nas farmácias sob prescrição.

A somatória das alíquotas de impostos federais e estaduais incidentes sobre o produto, de 28%, é três vezes maior que a média obtida entre os países do estudo. Alguns, como Canadá, México e Reino Unido, têm alíquota zero sobre os remédios.

A constatação é de um estudo inédito elaborado pelo pesquisador Nick Bosanquet, professor de políticas de saúde do Imperial College, em Londres, que considerou os impostos sobre consumo em cada um dos países.

No Brasil, foram contabilizados o ICMS, imposto cobrado pelos governos dos Estados, e o PIS/Cofins, cobrado pelo governo federal.

O ranking faz parte de uma publicação da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), que será divulgada amanhã.

GASTOS PESSOAIS

O nível recorde de tributação tem impacto direto no bolso dos consumidores, uma vez que, no mercado brasileiro, os gastos com remédios não são reembolsados pelo Estado ou pelos planos de saúde, como ocorre em países desenvolvidos.

No mercado farmacêutico brasileiro, cujo faturamento somou R$ 42,8 bilhões em 2011, segundo dados do instituto IMS Health, 71,4% do desembolso é realizado diretamente pela população.

Nos países europeus, de 10% a 15% dos gastos são assumidos pelo consumidor.

"O consumidor tira do próprio bolso para financiar seu tratamento e ainda paga o maior tributo do mundo", diz Antonio Brito, presidente da Interfarma. "A soma das duas situações é explosiva."

A eliminação de tributos sobre medicamentos prescritos pode aumentar as vendas em 2,5% a 5%, diz o estudo.

Esse impacto ocorreria sobretudo entre os consumidores de menor renda.

Dados do IBGE mostram que o desembolso das famílias de classe E em medicamentos é de R$ 7 por mês.

Os mais ricos gastam por mês R$ 97, enquanto a média nacional é de R$ 38,60.

"Esses números mostram que o acesso aos medicamentos depende exclusivamente da renda do brasileiro", afirma Brito.

ICMS

Segundo o tributarista Bruno Coutinho de Aguiar, do escritório Rayes e Fagundes, o grande vilão da tributação no setor farmacêutico é o ICMS. A alíquota do imposto dos Estados é de, em média, 17%.

"Um produto essencial como o medicamento tem uma alíquota maior que a de automóveis, por exemplo." (por Cláudia Collucci/Marianna Aragão)

Pagamento de Tributos com Precatório. Requisitos (artigo de Amal Nasrallah)

O Professor Celso Ribeiro Bastos ensinava que “(…) em linhas gerais, o precatório é uma requisição judicial expedida ao Presidente do Tribunal pelo juiz da execução da sentença em que a Fazenda Pública foi condenada a pagamento de quantia certa, a fim de que sejam expedidas as necessárias ordens de pagamento às respectivas repartições competentes” (Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 4º v., T. III, p. 47)

Quando da promulgação da Constituição Federal, a sistemática aplicável aos precatórios estava prevista no artigo 100 da CF, que determinava que quando houvesse sentença judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública, o pagamento seria realizado através de precatórios, por ordem cronológica de sua apresentação.
Além disso, estabelecia que os precatórios requisitados pelo Presidente do Tribunal onde o processo transitou em julgado até o dia 30 de junho de cada ano, deveriam ser pagos até o final do exercício seguinte, devidamente corrigidos.
Com o advento da Emenda Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000, foi modificado o artigo 100 da Constituição Federale incluído o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. As novidades trazidas pela EC 30/2000 podem ser assim resumidas:
a) aos precatórios pendentes de pagamento em 13/09/2000 (aqueles (i) já devidamente inscritos no Tribunal competente; (ii) os que Fazenda deixou de honrar a modo e tempo próprios e (iii) os regularmente inscritos que aguardam o momento de serem pagos) e aos que decorrem de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, vencidos e não pagos, foi conferida autorização para sua utilização na quitação de tributos da entidade devedora;
b) a concessão para decomposição de parcela do precatório, a critério do credor, ou seja, o vencedor de ação contra a Fazenda Pública pode escolher entre receber o crédito do precatório em uma parcela anual, ou em número maior de parcelas ao ano;
c) a permissão para a cessão de créditos decorrentes dos precatórios;
d) a estipulação do prazo máximo de dez anos para pagamento dos créditos, ou de dois anos quando se tratar de precatório original de desapropriação de único imóvel residencial do credor;
e) a determinação para que os precatórios sejam liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas.
Posteriormente foi editada a Emenda Constitucional nº 62/2009 que mudou novamente o sistema de pagamento de precatórios pelos entes políticos.Pela nova Emenda Constitucional foram modificadas novamente as normas que tratam dos pagamentos de tributos, visto que foi inserido um método de compensação automático e obrigatório entre o credor originário (parte da ação) e a Fazenda Pública, que ocorre antes da própria expedição do precatório (tratada adiante).
Em vista disso, a Constituição Federal em vigor atualmente estabelece que: (i) os pagamentos das dívidas fazendárias serão feitos por meio de precatórios; (ii) estes obedecerão a ordem cronológica; (iii) quando da expedição dos precatórios, deles deverá ser abatido a título de compensação, valor correspondente aos débitos constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, (iv) aos precatórios pendentes de pagamento em 13/09/2000 e aos que decorrem de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, vencidos e não pagos, foi conferida autorização para sua utilização na quitação de tributos da entidade devedora;(v) os valores devidos devem ser corrigidos monetariamente no lapso temporal que transcorrer entre a data da expedição do precatório de do efetivo pagamento; (vi) o credor pode ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor.
Poder Liberatório para Pagamento de Tributos
Como já se viu acima, pela dicção das normas constitucionais depreende-se que estas autorizam o sujeito passivo de tributo a extinguir o débito por meio de precatório. Contudo, não são todos os precatórios que tem poder liberatório para pagamento de tributos. Referida qualidade é atribuída apenas aos precatórios pendentes em 14/09/2000 (data de promulgação da EC 30/2000) e aos precatórios que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 vencidos e não pagos pela Fazenda devedora.
Assim, para o precatório tenha poder liberatório para pagamento de tributo, condição essencial é que tenha sido descumprido. Considera-se descumprido o precatório se a prestação anual a ser paga não tenha sido liquidada até o final do exercício (artigo 78, § 2º do ADCT).
Contudo há que se atentar que o pagamento do precatório ocorre em diversas parcelas anuais. Nesse aspecto, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que, não satisfeita alguma das parcelas do precatório judicial, opera-se o poder liberatório para pagamento de tributos da Fazenda devedora no limite das parcelas vencidas. Ou seja, o vencimento de apenas uma parcela, não faz vencer toda a dívida e, assim, somente tem qualidade de liberar o pagamento de tributo a parcela que efetivamente não foi paga no seu vencimento.
Eis algumas ementas proferidas pelo STF nesse sentido:
“PRECATÓRIO JUDICIAL. PODER LIBERATÓRIO. 1. O benefício constante do § 2º do art. 78 do ADCT, na redação da EC 30/2000, incide apenas sobre as prestações não liquidadas e não sobre o total do débito constante do precatório. Precedente: ADI 2.851. 2. Agravo improvido.(SS 2589 AgR, Relator(a):Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2006, DJ 22-09-2006 PP-00028 EMENT VOL-02248-01 PP-00166 LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 308-310)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002. I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000. II. – ADI julgada improcedente.(ADI 2851, Relator(a):Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2004, DJ 03-12-2004 PP-00012 EMENT VOL-02175-01 PP-00187 RIP v. 6, n. 29, 2005, p. 243-248 RDA n. 239, 2005, p. 463-467 RF v. 101, n. 378, 2005, p. 255-259 RTJ VOL-00193-01 PP-00106).
Cessão de Crédito
A Constituição Federal permite a cessão de créditos decorrentes dos precatórios independentemente da concordância do devedor, bem como autoriza também a cessão total ou parcial do crédito a terceiros, esta última por meio da decomposição de parcelas.
A legislação tributária infra-constitucional não trata especificamente da cessão de crédito, contudo a Resolução/CNJ 115/2010 reitera os termos da Constituição Federal afirmando que “o credor de precatório poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos a terceiros, independentemente da concordância do devedor”.
Contudo, deve se atentar que o fisco somente considera válida a cessão, depois de proferida decisão transitada em julgado em relação ao valor devido pela Fazenda. A Receita Federal tem desconsiderado as cessões de precatórios, quando não há certeza em relação ao quantum devido (Acórdão nº 03-32573 de 14 de Agosto de 2009 – Segunda Turma, DRJ/BSB)
No caso a cessão dever ser feita preferencialmente por instrumento público, nos termos do artigo 288 do Código Civil, que estabelece ser “ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1o do art. 654”.
A cessão de precatórios somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao juízo de origem e à entidade devedora, antes da apresentação da requisição ao Tribunal (art. 16, § 3º da Resolução/CNJ 115/2010).
DIFICULDADES E CUIDADOS QUE DEVEM SER OBSERVADOS
Da Aplicação Imediata do Artigo 78 § 2º do ADCT
Não obstante previsto na Constituição Federal, ainda não existe lei no âmbito federal regulando o poder liberatório para pagamento de tributos dos precatórios.
No nosso entendimento, o poder liberatório do precatório não necessita de regulamentação por lei infra-constitucional para ser aplicado imediatamente. A Constituição Federal não autorizou o legislador ordinário a limitar ou exigir outras condições para que se perfaça o poder liberatório do pagamento de tributos pela Fazenda Pública devedora. A norma constitucional em questão se insere naquelas que não necessitam de complementação para surtir efeito.
Por outro lado, há que se atentar que a Receita Federal não tem entendimento unânime quanto à possibilidade de utilização imediata do precatório para pagamento de tributos. Algumas soluções de consultas e decisões administrativas consignam que apesar da Constituição Federal prever tal possibilidade, a matéria precisa ser regulamentada por norma infra-constitucional.
Abaixo seguem duas soluções de consulta. A primeira contrária e a segunda favorável ao detentor do precatório:
“Solução de Consulta nº 57 de 01 de Outubro de 2008- DISIT 04
EMENTA: COMPENSAÇÃO. TÍTULOS PÚBLICOS. TÍTULOS REPRESENTATIVOS DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL. OBRIGAÇÕES DA ELETROBRÁS. PRECATÓRIOS. PRESTAÇÕES ANUAIS. TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES FEDERAIS
As prestações anuais dos precatórios pendentes na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 30, de 2000, ou decorrentes de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, caso não sejam liquidadas até o final do exercício a que se referem, poderão, em princípio, ser utilizadas na compensação de tributos da entidade política devedora, permitida a cessão dos créditos. No entanto, o direito à utilização das citadas prestações anuais dos precatórios da União, na compensação de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, somente poderá ser exercido após a regulamentação do art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pelo Congresso Nacional e/ou pelo Poder Executivo Federal”.
“Solução de Consulta nº 230 de 25 de Setembro de 2001- DISIT 08
ASSUNTO: Normas Gerais de Direito Tributário
EMENTA: As prestações anuais dos precatórios pendentes na data de promulgação da Emenda Constitucional nº 30, de 2000, e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, terão poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, permitida a cessão dos créditos. A compensação deverá ser requerida conforme disposto nas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal”.
Compensação de Precatórios com Débitos Constituídos Contra o Credor Original
A Constituição Federal permitiu que no momento da expedição dos precatórios o Poder Público abatesse unilateralmente o valor dos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em Dívida Ativa constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, inclusive parcelas vincendas de parcelamentos (art. 100, § 9º, da CF/88).
Somente não podem ser objeto de abatimento os débitos tributários cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.
A regra foi criada para resguardar os créditos fazendários. Trata-se de direito do Fisco e o particular sequer participa do trâmite prévio à expedição do precatório, que ocorre apenas entre o Executivo e o Judiciário. Vale dizer, a Fazenda informa ao Tribunal sobre a existência de débitos, dentro do prazo decadencial de 30 dias, para que se efetive a compensação.
De se salientar que mesmo que tenha ocorrido cessão de créditos, será realizada eventual compensação de dívidas tributárias do credor originário.
Na prática ocorre o seguinte:
a) O juiz profere decisão garantindo ao titular original do crédito o pagamento através de um precatório, mas antes encaminhamento do precatório ao Tribunal, intimará a Fazenda Pública (ou outro ente devedor) para que informe, em 30 dias, sobre a existência de débitos constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
b) Na hipótese da Fazenda não se manifestar ou deixar de apontar débitos do credor original, perderá o direito de abatimento (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
c) Se a Fazenda apontar algum débito do credor original de natureza tributária constituído em seu favor o juiz decidirá a questão, após ouvir a parte contrária, decidindo em seguida (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
d) Caso a decisão entenda que a Fazenda realmente tem um crédito tributário contra o vencedor da ação, ou seja, caso se apure que o particular e a Fazenda são ao mesmo tempo credor e devedor um do outro, as duas obrigações serão extintas, até onde se compensarem e o juiz emitirá certificado de compensação para fins de controle orçamentário e financeiro, juntando-os ao processo de expedição do precatório (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010);
e) A compensação se operará no momento da efetiva expedição do certificado de compensação, quando cessará a incidência de correção monetária e juros moratórios sobre os débitos compensados (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010 com a redação da Resolução/CNJ n° 123/2010);
f) O procedimento de compensação, quando realizado no âmbito do Tribunal, não impedirá a inscrição do precatório apresentado até 1º de julho de um ano no orçamento do ano seguinte da entidade devedora, deduzindo-se o valor compensado, caso reconhecida posteriormente a compensação (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010 com a redação da Resolução/CNJ n° 123/2010);
g) A cessão de créditos não alterará a natureza comum ou alimentar do precatório e não prejudicará a compensação, sendo considerado, para esse fim, o credor originário (art. 6º da Resolução/CNJ 115/2010).
Isto faz com que os riscos da compra de precatórios sejam grandes, pois o cessionário pode vir a sofrer uma compensação forçada em decorrência de débito do cedente. E mesmo que o crédito do precatório tenha sido cedido a terceiro pelo credor, a Fazenda pode impugnar a cessão que o credor fez, opondo ao cessionário a compensação do crédito.
Em razão da possibilidade de compensação deve-se atentar quando da compra dos precatórios se o cedente tem dívidas junto ao fisco, pois se for o caso, provavelmente será realizada a compensação entre créditos e débitos, não podendo ser obstada a pedido do particular/credor. O dispositivo constitucional é claro no sentido de garantir a compensação contra o credor original (cedente).
Cabe ressaltar que a autorização para compensação trazida pela EC 62 pode causar inúmeros transtornos, pois na prática, existem muitos lançamentos realizados pela Fazenda com o desconhecimento do devedor.
Precatórios Oriundos de Outras Entidades
Há que se atentar também se o precatório objeto da cessão é originário de ações em que a Fazenda Nacional é parte, ou se outro ente federal é que compõem um dos pólos da ação (ex: autarquia federal). E isto porque a possibilidade de compensação de débito tributário com crédito decorrente de precatório de pessoa jurídica que não seja a Fazenda Nacional é matéria controvertida.
De fato, o Superior Tribunal de Justiça pela sua Primeira Turma firmouentendimento no sentido de que “é ilegítima a pretensão de se compensar débito tributário (devido à administração direta) com crédito de precatório adquirido de terceiros (por cessão) e da responsabilidade de entidade da administração indireta” (RMS 27.706/MG), conforme ementa que abaixo se transcreve a título exemplificativo:
“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. PRECATÓRIO. DÉBITO DE ICMS. CRÉDITOS DECORRENTES DE AUTARQUIA. DER. AUSÊNCIA DE NORMA ESTADUAL. DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DO ESTADO. PRECATÓRIO DE NATUREZA ALIMENTAR. INADMISSIBILIDADE. ART. 78, § 2º, DO ADCT. DECRETO ESTADUAL Nº 418/07. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE.
1. A compensação de débito fiscal estadual (ICMS) com crédito de precatório de natureza distinta e entre pessoas jurídicas diversas não é possível quando não previsto em legislação especial. Precedentes: RMS 26802/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Castro Meira, DJe 18/02/2010; RMS 31184/PR, Rel. MinistroCastro Meira, DJe 29/04/2010; RMS 30.229/PR, Rel. MinistroHumberto Martins, DJe 18/02/2010; EDRMS 29.806/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 28.10.09; AgRMS 30.347/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 26.11.09; RMS 24.450/MG, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 8/4/2008, DJe 24/4/2008. (AgRg no RMS 31.592/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 27/08/2010).
No mesmo sentido: AgRg no RMS 31672, AgRg no RMS 31885 PR, AgRg no RMS 31962, AgRg no RMS 31123, AgRg no RMS 31137 PR, AgRg no RMS 31172 PR, AgRg no RMS 31443 PR, AgRg no RMS 31545 PR, RMS 31109 PR.
O Supremo Tribunal Federal ainda não tem jurisprudência consolidada quanto à possibilidade, ou não, de utilização de precatório para pagamento de tributos cedido por terceiro e oriundo de outro ente, que não as Fazendas Públicas.
Contudo, já existe precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a circunstância de o devedor do precatório ser diferente do credor dos tributos que se pretende compensar, não é relevante para impedir a utilização de precatório para quitação de tributos, desde que ambos integrem a mesma esfera política. Assim, se o devedor do precatório for, por exemplo, uma autarquia federal, pode o precatório ser utilizado para quitar tributos federais.
Eis o precedente mencionado:
“DECISÃO:
1. Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública.
2. O acordão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do débito fiscal — Estado do Rio Grande do Sul — e o devedor do crédito oponível — a autarquia previdenciária.
3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei [artigo 78, caput e § 2º, do ADCT à CB/88].
(…)
Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege. Sem honorários”. (RE 550400, Relator(a): Min. EROS GRAU, julgado em 28/08/2007, publicado em DJ 18/09/2007 PP-00080 REPUBLICAÇÃO: DJe-108 DIVULG 21-09-2007 PUBLIC 24-09-2007 DJ 24/09/2007 PP-00119).
Precatórios de Natureza Alimentar
A Constituição Federal define precatório de natureza alimentar no seu artigo 100, § 1º nos seguintes termos: “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo”
Os precatórios de natureza alimentar têm a vantagem de ter preferência de pagamento sobre os precatórios comuns. Contudo, estes precatórios têm a seguinte desvantagem, não existe ainda consenso nos Tribunais Superiores a respeito da possibilidade de se utilizá-los para compensação com débitos tributários (art. 16 da Resolução/CNJ 115/2010).
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de afastar pretensão de empresas utilizarem precatórios com o intuito de compensar tributos.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, não obstante o § 2º do artigo 78 do ADCT determinar que os precatórios relacionados no caput terão poder liberatório do pagamento de tributos, o caput do mesmo artigo 78 exclui os créditos de natureza alimentar e de pequeno valor. Assim, a compensação tributária com precatórios de natureza alimentar é hipótese não prevista no art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que não a permite.
Eis algumas ementas da jurisprudência mencionada:
“CONSTITUCIONAL – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ART. 78, § 2º, DO ADCT – PODER LIBERATÓRIO DO PAGAMENTO DE TRIBUTOS – CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR.
1. As parcelas do precatório submetido à moratória do art. 78 do ADCT, se não liquidadas até o final do prazo previsto, passam a ter poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, nos moldes do § 2º do mesmo dispositivo constitucional.
2. À luz do referido enunciado normativo, ressalvados os créditos de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os previstos no art. 33 do ADCT e suas complementações e ainda os que já tiverem os recursos liberados, os precatórios que forem objeto de parcelamento e cujas parcelas não forem pagas até o final do prazo constitucional, terão eficácia liberatória do pagamento de tributos .
3. Hipótese em que os créditos contidos no precatório objeto de compensação originam-se de honorários de sucumbência em ação indenizatória, qualificando-se como créditos alimentares.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido”.
(RMS 31.160/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 08/09/2010)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO NO MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS COM CRÉDITO DE PRECATÓRIO VENCIDO, E NÃO PAGO. NATUREZA DAS AÇÕES DE ONDE ORIGINADOS OS PRECATÓRIOS. ART. 78, § 2º, DO ADCT. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ.(…)
2. A atual jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que não há falar em poder liberatório do pagamento de tributos, nos termos do art. 78, § 2º, do ADCT, quanto aos precatórios de natureza alimentar. Esse entendimento decorre da literalidade do art. 78, § 2º, do ADCT, cujo teor, explicitamente, ressalva os créditos de natureza alimentícia.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 29.544/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 27/04/2010)
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADIN 1.662/SP, decidiu pela inaplicabilidade do artigo 78 do ADCT aos precatórios alimentares. Em vista disso, em tese os precatórios de natureza alimentar não teriam poder liberatório para pagamento de tributos, visto que este poder é conferido pelo artigo 78, § 2º do ADCT.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral dos temas relativos à aplicabilidade imediata do art. 78, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e à possibilidade de se compensar precatórios de natureza alimentar com débitos tributários (RE 566349 RG). Assim, é possível que o Supremo venha a entender que os precatórios de natureza alimentar adquiridos de terceiros podem ser cedidos e utilizados com efeito liberatório para pagamento de tributos, mas ainda não há qualquer segurança quanto a isso.
Descontos com honorários de advogado, perito e retenções de tributos
Deve se atentar que, parte dos créditos decorrentes de uma ação judicial podem pertencer à outras pessoas, que não o vencedor da ação, tais como advogados, peritos, dentre outros.
Com efeito, além dos honorários de sucumbência que normalmente já estão especificados no processo, ainda pode haver um fator surpresa, pois antes da expedição do precatório, o advogado que participou da ação tem o direito de juntar aos autos o contrato de honorários firmado com o seu cliente e, nesta hipótese, o juiz irá determinar que lhe sejam pagos diretamente os valores a que faz jus, por dedução da quantia a ser recebida pelo seu cliente.Esta possibilidade afeta diretamente o montante a ser pago no precatório, pois pode alterar consideravelmente o valor do crédito constante do precatório.
Além disso, quando do pagamento do crédito decorrente do precatórios, são retidos valores a título de imposto de renda na fonte, bem como os valores a título de contribuição previdenciária.
Finalmente se esclarece que os precatórios serão expedidos individualizadamente, por credor, ainda que exista litisconsórcio.

MULTA - LEI NOVA - BENIGNIDADE - RETROAÇÃO - EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA (por Amal Nasrallah)

No dia 08 de agosto de 2012 foi publicada a Solução de Consulta Interna Cosit nº 14 da Secretaria da Receita Federal do Brasil consolidando o entendimento de que “lei nova que comine penalidade menos severa do que a aplicada a débito tributário objeto de parcelamento aplicasse a acordos celebrados antes de sua edição”.
Este assunto não é novo e a Receita Federal somente corroborou o entendimento que há muito tempo está consolidado pelo Poder Judiciário.
A jurisprudência do STJ entende que o art. 106 do CTN confere ao contribuinte o direito de se beneficiar da incidência da lei posterior mais benéfica, desde que a demanda não tenha sido definitivamente julgada, sendo irrelevante ter o fato gerador do tributo ocorrido em data anterior à vigência da norma. Entende também que “a concessão de parcelamento do crédito tributário não constitui óbice, enquanto perdurar o cumprimento do acordo, à aplicação retroativa de lei posterior que comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da prática do ato” (REsp 1056371/SC DJe 28/03/2011 e mais recentemente AgRg no REsp 1269018/RS, DJe 27/02/2012).
A regra geral no direito tributário é o da irretroatividade da lei. Isto está previsto no art. 150, inciso III, letra “a” da Constituição Federal que enuncia que é proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
Vale dizer, a lei tributária jamais pode atingir a fatos acontecidos antes a sua entrada em vigor se esta retroatividade causar onerosidade ao contribuinte. No entanto, a lei pode retroagir, desde que em benefício do contribuinte. Assim, se em uma lei nova houver previsão de penalidade menor, o contribuinte será beneficiado.
Nesse sentido o artigo 106 do Código Tributário Nacional, que estabelece a retroatividade da lei “penal” benéfica, nos seguintes termos:
“Art. 106 – A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
II- tratando-se de ato não definitivamente julgado:
(…)
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática”.
Interessante notar que a jurisprudência do STJ vai mais além e já se consolidou no sentido de que:
(i) O CTN tem natureza de lei complementar, e por isto, mesmo que exista uma outra lei (que não seja lei complementar) prevendo o contrário, deverá prevalecer o art. 106 do CTN, que assegura a incidência de pena mais benéfica (neste sentido o REsp 273.134/RS, e REsp 542.766/RS).
(ii) É possível na hipótese de lei nova que comine penalidade mais benéfica, a diminuição da pena, de ofício, pelo juiz. Desta forma, mesmo que em um determinado processo, o contribuinte não tenha pedido ao juiz a redução da multa, o magistrado pode decretar a diminuição da penalidade sem que a parte tenha requerido(neste sentido AgRg no Ag 1083169/SP)
Segue abaixo o link da decisão proferida Solução de Consulta Interna Cosit nº 14 da Secretaria da Receita Federal do Brasil:
 http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/Legislacao/SolucoesConsulta/2012/Cosit/SCICosit142012.pdf

A impossibilidade de aplicação de multas continuadas aos ilícitos tributários (artigo de Amal Nasrallah)

É muito comum os contribuintes sofrerem autuações pelo desatendimento de obrigações formais, com a imposição de diversas multas sobre o mesmo fato. Por exemplo, deixar de apresentar DCTF, DACON, DIRF ou DES, dentre outras. Ao invés de impor uma multa, a fiscalização comina diversas penas, uma para cada período em que a obrigação foi descumprida.

No entanto, este procedimento não é o mais correto, pois quando há várias condutas violadoras do mesmo valor jurídico, com o mesmo fundamento fático, apenas uma penalidade pode ser aplicada. Trata-se de continuidade de um mesmo comportamento, o que acarreta a existência de apenas uma infração.
A doutrina denomina estes ilícitos de infrações continuadas, pois atingem o mesmo bem tutelado e têm idêntico fundamento fático, acarretando conduta de feição sequencial.
Assim, quando o mesmo contribuinte, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica infrações da mesma espécie e de forma seqüencial, devem as posteriores serem consideradas como continuação da primeira, aplicando-se a pena de uma só infração, pois não se justifica a cominação indiscriminada de penalidades, multiplicadas pelo número de vezes em que o contribuinte permaneceu inadimplente em prestar informações.
Neste sentido tem decidido o CARF:
“CPMF. DECLARAÇÃO TRIMESTRAL E MENSAL. MULTA POR ATRASO NA ENTREGA. A entrega das declarações de CPMF após o prazo legal enseja a aplicação da multa prevista no art. 11, § 2º, da Lei n° 9.311/96. MULTA. GRADAÇÃO. INFRAÇÃO CONTINUADA. A infração pela falta de entrega de declaração de CPMF é única, devendo ser desta forma considerada para fim de aplicação da penalidade. Não é admissível, ou existente em nosso ordenamento jurídico, a imposição de multas indefinidas, sem limitação de valor (Acórdão 201-80 745, Rel. Cons Fabiola Cassiano Keramidas, j. 20.112007). (…)” (CARF 3a. Seção / 3a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 3403-00.266 em 17/03/2010, Publicado no DOU em: 19.07.2011)
“ASSUNTO: IPI DIF – PAPEL IMUNE – MULTA REGULAMENTAR -FALTA DE ENTREGA DE DECLARAÇÃO TRIMESTRAL – MP N° 2.158-35 (ART.57) – INFRAÇÃO CONTINUADA – CUMULAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE PENALIDADES PELO NUMERO DE MESES EM QUE A AUTUADA PERMANECEU INADIMPLENTE INADMISSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA INFRAÇÃO CONTINUADA E DA RAZOABILIDADE. A multa de R$ 5.000,00 prevista para cada infração à obrigação formal (falta de declaração), não pode ser aplicada cumulativamente, multiplicada pelo número de meses em que a RECORRENTE permaneceu inadimplente nas informações trimestrais que deveria prestar, vez que as infrações apresentam-se de forma seqüencial, ferindo o mesmo objeto da tutela jurídica e guardando afinidade com igual fundamento fálico, o que as caracteriza como comportamento de feição continuada, sujeitando-as a uma única sanção por período trimestral em que foi verificada a falta. A seqüência de várias infrações apuradas em uma única autuação caracteriza a chamada infração de natureza continuada , com aplicação de uma única multa agravada fixada para trimestre especifico em que se constatou a falta de apresentação de Declaração. Precedentes do STJ” (CARF 3a. Seção / 2a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 3402-00.754, Publicado no DOU em: 24.03.2011)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Culpa só é conferida a quem se benificia perante o Fisco (artigo de Norma Gavilãn Tonellatti)


A discussão que ganha causa está associada à responsabilização do adquirente de mercadoria quando da declaração de inidoneidade das notas fiscais emitidas pela empresa vendedora.


Nesse sentido, no que concernem as operações com circulação de mercadorias, a Fazenda Pública fechou o cerco sobre a emissão de documentos fiscais inidôneos, efetuando autuações nas pessoas dos adquirentes das mercadorias. A justificativa ocorre ao passo que os documentos emitidos são utilizados no creditamento do ICMS na operação subsequente, ou seja, o adquirente compra a mercadoria, recebe a nota fiscal com recolhimento de ICMS e na revenda da mesma poderá utilizar esse ICMS recolhido como crédito.
Visto o crescente número de autuações e recursos interpostos pelos adquirentes, o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo reuniu-se no final de maio de 2012 para firmar decisão modelo e requisitos a serem analisados antes da imposição de infração[1]. Determinando-se melhor julgamento no procedimento fiscalizatório, bem como no processo de declaração de inidoneidade, respeitando-se a irretroatividade dos efeitos de sua publicação e a boa-fé do adquirente que efetuou a operação com as mercadorias anteriormente à instauração de qualquer fiscalização sobre a empresa vendedora.
O sistema tributário brasileiro firmou em sua legislação que a prestação de pagamento e recolhimento de tributos são devidos por aquele que coaduna com o fato ensejador da hipótese de incidência. Nos artigos 121 e 122, do Código Tributário Nacional, expressa-se a qualificação de cada indivíduo para seu enquadramento como devedor da Administração Pública.
Visível de se constatar é que a legitimidade do sujeito passivo na relação tributária deve ser demonstrada no seu enquadramento nos preceitos legais, isto é, nos requisitos que o caracterizem como contribuinte ou responsável.
Devemos observar que há situações as quais o imposto sofrerá a tributação em forma de substituição, ou seja, a responsabilidade de arcar com o tributo é direcionada a outrem. Entretanto, a responsabilidade por substituição exige que haja conexão entre o fato e o indivíduo.
Porém, no que diz respeito aos documentos inidôneos, a Fazenda tem apresentado como sujeitos passivos terceiros à relação jurídico-tributária que não concorreram para a fraude fiscal.
O processo de declaração de inidoneidade deve respeitar um procedimento específico na fiscalização, como bem demonstra o Ofício Circular DEAT — G — Série “O&M” 06/94, e as Portarias CAT 19/2001 e 67/1982.
As orientações são de que o fiscalizador proceda as diligências para constatar a devida situação do estabelecimento comercial e, também, imprescindível à localização dos representantes legais. Após, será lavrado o Termo de Diligência Fiscal com todos os fatos descritos pelo agente fiscal, um Relatório de Apuração e a Declaração de Inidoneidade, fundamentada pelas provas colhidas.
Desse modo, a fiscalização tributária deve, essencialmente, localizar a empresa, bem como seus representantes legais, que emitiu as notas fiscais até então consideradas como inidôneas. Localizando-se a empresa, é cediço que o possível Auto de Infração e Imposição de Multa deva incidir sobre a mesma e não perante o terceiro.
Entende-se que o processo de declaração de inidoneidade deve esgotar todos os meios para localização do contribuinte que emitiu as notas fiscais consideradas frias. A falta de requisitos essenciais para o procedimento administrativo fica caracterizada com a consequente nulidade do ato, uma vez que não observou todos os pressupostos necessários para sua validade. [2]
Tem-se observado que no processo de declaração de inidoneidade a Administração Pública retroage os efeitos da declaração, por muitas vezes, a data do início de atividade da empresa emitente das notas fiscais consideradas “frias”.
Porém, a retroatividade de efeitos é ilegítima, tendo em vista que a publicidade do ato administrativo ocorre após as operações efetuadas entre as partes, isto é, se a ciência da empresa adquirente de que a empresa emitente de notas fiscais estava sendo fiscalizada e da constatação de irregularidades deu-se após a finalização das operações não é possível a retroatividade e responsabilidade do adquirente.
Desse modo, o efeito da cassação da inscrição estadual e consequente consideração de inidoneidade de uma empresa não tem o condão de retroagir, seus efeitos não são ex tunc, mas simex nunc, ou seja, do momento da decretação de cassação e inidoneidade para frente, uma vez que os atos administrativos somente produzem efeitos a partir de sua publicação.
E assim afirmamos categoricamente: “o adquirente da mercadoria não pode ser responsabilizado pelo pagamento do ICMS pela operação que corretamente efetivou com pessoa jurídica inscrita com cadastro ativo e regular, ainda mais pelo fato de comprovação nos documentos fiscais”.
Outro aspecto que se fixou no julgamento realizado pelo TIT está na comprovação de boa-fé do adquirente. No acórdão julgado em 29 de maio de 2012, o TIT declarou que para caracterizar a boa-fé do adquirente e fazer jus ao crédito de ICMS há necessidade de: demonstração de veracidade da operação de compra e venda; declaração de inidoneidade posterior à celebração do negócio jurídico efetivo e consequente emissão das referidas notas fiscais; comprovação de que o adquirente verificou a regularidade da empresa; comprovação de pagamento às empresas cujas notas foram declaradas inidôneas.[3]
Fica confirmado que o adquirente ao atuar de boa-fé, efetuar o pagamento das operações com mercadorias, bem como a empresa vendedora estar à época da operação em situação regular, não há que se falar em responsabilização do mesmo. Salientamos veementemente: “a responsabilidade tributária somente pode ser conferida por lei e, ainda, quando o sujeito participar ou se beneficiar da situação errônea perante o Fisco”.
Nesse diapasão, é mister que a responsabilização do terceiro deverá ser imputada somente nos casos de não enquadramento nos requisitos, de modo contrário, configurar-se-á poder abusivo e ilegal.

[1] A decisão foi proferida pelo Tribunal de Impostos e Taxas. Recurso Especial 296166/2010.Câmara Superior. Relator: Juiz Gianpaulo Camilo Dringoli. Sessão: 29/05/2012.
[2] Esse é o entendimento do TIT. Processo DRT 14 – 1257/1990. J: 25/08/1998.
[3] Tais requisitos podem ser vistos no Tribunal de Impostos e Taxas. Recurso Especial 296166/2010.Câmara Superior. Relator: Juiz Gianpaulo Camilo Dringoli. Sessão: 29/05/2012. p 7/8.

Contadora que desistiu da profissão não paga anuidade


O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou Apelação do Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina e manteve extinta execução fiscal contra uma contadora que não exerce mais a profissão. Os desembargadores da 2ª Turma, com base no entendimento já pacificado na corte, decidiram que a cobrança das anuidades era indevida, já que o fato gerador é o efetivo exercício da atividade profissional, e não a mera inscrição no Conselho.


O juiz federal convocado Luiz Carlos Cervi, que relatou a Apelação do CRCSC, explicou que o artigo 113, do Código Tributário Nacional, exige a ocorrência do fato gerador para o surgimento da obrigação tributária. Neste sentido, a condição necessária e suficiente para impor tal obrigação, como autoriza o artigo 114 do mesmo Código, seria o efetivo exercício da atividade profissional.
‘‘Desse modo, o registro profissional e a sua baixa junto ao conselho regulador passam a ser elementos meramente instrumentais no desdobramento da relação da autarquia com o administrado. Realmente, apesar de inscrito, o profissional que não exercer sua atividade não estará obrigado ao pagamento da contribuição, pois ausente o pressuposto motivador da fiscalização e da incidência das contribuições’’, afirmou ele.
Por fim, o julgador frisou que a ex-contadora, em 2006, mudou-se de Florianópolis para Curitiba, passando a exercer atividade profissional diversa da que possui registro. Ele entendeu que este fato, por si só, é excludente do controle e fiscalização do Conselho catarinense. A decisão unânime foi tomada na sessão de julgamento do dia 7 de agosto.
O processo
O caso chegou até a Justiça Federal, responsável pelo julgamento de questões relativas aos conselhos profissionais, porque a contadora opôs exceção de pré-executividade em face da cobrança promovida pelo CRCSC. Este instrumento processual permite ao executado pedir a extinção da execução, em função dos vícios que porventura tornem nulos o processo e/ou a própria cobrança em seu nascedouro. Em síntese, afirmou na peça inicial que não exerce a profissão de contabilista desde 2006 e que, portanto, não se justifica a cobrança.
O Conselho catarinense alegou que o fato gerador do tributo decorre do registro, e não do exercício profissional. Em socorro desta tese, citou o artigo 5º., da Lei 12.514/2011, que definiu como fato gerador das anuidades a inscrição do profissional ou da empresa prestadora de serviços.
O juiz federal substituto Eduardo Didonet Teixeira julgou procedente a exceção de pré-executividade. Em relação à cobrança das anuidades, citou a jurisprudência do Superior Tribunal Federal, em que um precedente de 7 de dezembro de 2010 diz: ‘‘Reconhecido pelo Tribunal de origem que a executada não exercia a profissão, resta afastada a presunção de liquidez e certeza da Certidão da Dívida Ativa’’.
Por outro lado, ele reconheceu que a autora deveria ter providenciado a ‘‘baixa’’ de sua inscrição no Conselho catarinense, o que ainda poderia lhe render uma execução fiscal neste sentido. No entanto, ressaltou, sua omissão não a torna devedora das anuidades.(Fonte:TRF-4)
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