Cidade de Blumenau, Brasil

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terça-feira, 1 de junho de 2010

DOUTRINA de SÉRGIO PINTO MARTINS: Incidência da Contribuição Previdenciária sobre Aviso Prévio Indenizado


Sergio Pinto Martins (Juiz do TRT da 2ª Região. Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP)





I – INTRODUÇÃO

1. A Secretaria da Receita Federal do Brasil está querendo cobrar a contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado.

A Medida Provisória nº 1.523-8, de 28.05.97, e suas reedições, tratou da incidência da contribuição previdenciária sobre parcelas indenizatórias.

A alínea e do parágrafo 9º do artigo 28 da Lei nº 8.212 teve nova redação determinada pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, porém não constou a exceção de não incidir a contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado.

O Decreto nº 6.727, de 12 de janeiro de 2009, revogou a alínea f do inciso V do parágrafo 9º do artigo 214 do Regulamento da Previdência Social (art. 1º). A alínea f tratava da não incidência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado. Em razão disso, a Receita Federal pretende tributar o aviso prévio indenizado pela contribuição previdenciária. Inclusive estuda-se essa cobrança com efeito retroativo a cinco anos.

II – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS

2. Os precedentes jurisprudenciais do STF indicam que não se pode pretender exigir contribuição previdenciária sobre verba que não tenha natureza de salário.

A letra a do inciso I, do artigo 195 da Constituição é clara no sentido de que as contribuições que custeiam a Seguridade Social são, em relação aos empregadores, incidentes sobre a folha de salários.

O inciso I, do artigo 3º da Lei nº 7.787/89 criou uma contribuição de 20% sobre a remuneração paga ou creditada a autônomos e administradores.

Dispõe o inciso I, do artigo 22 da Lei nº 8.212 que o porcentual de 20% incide sobre o total das remunerações pagas ou creditadas aos empresários, autônomos e trabalhadores avulsos que prestem serviços às empresas.

O empresário e o diretor recebem pro labore, podendo ter uma folha para pagamento de tal importância. Contudo, não é salário o referido pagamento, pois a CLT define no artigo 457 o conceito de salário. Nesse caso, o empresário e o diretor não são empregados, mas os titulares do negócio. O diretor, o empresário e o autônomo têm na Previdência Social salário-de-contribuição, assim como ocorre com os autônomos. São considerados segurados contribuintes individuais. Não há, portanto, folha de salários.

O STF julgou inconstitucionais as palavras autônomos e administradores, contidas no inciso I, do artigo 3º da Lei nº 7.787 (Tribunal Pleno, RE nº 166.772-9-RS, j. 12.5.94, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 20.5.94, p. 12.296). Entendeu o referido colegiado que a relação dos administradores e autônomos não decorre do contrato de trabalho, pois não têm folha de salários. Somente por lei complementar poderia ser instituída nova contribuição, sendo que a Lei nº 7.787 é lei ordinária. A Resolução nº 14 do Senado Federal, de 19.4.95, suspendeu a execução da expressão "avulsos, autônomos e administradores" contida no inciso I, do artigo 3º da Lei nº 7.787/89, declarada inconstitucional pelo STF no RE nº 177.296-4/210.

Entendeu também o STF inconstitucionais as palavras empresários e autônomos contidas no inciso I, do artigo 22 da Lei nº 8.212/91 (ADIn nº 1.108-1-DF, Rel. Min. Maurício Correa, j. 5.10.95). Tal decisão teve efeito vinculante (§ 2º, do artigo 102 da Constituição), desobrigando o recolhimento da contribuição da empresa de 20% em relação aos empresários e autônomos.

Foi julgada inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária sobre a remuneração paga pela empresa aos avulsos, por não terem folha de salários, pois não são empregados, e a Lei nº 7.787 não é lei complementar (RE 166.939-0-SC, j. 20.6.94, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU I 12.8.94, p. 20.053).

Em medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade o STF suspendeu a eficácia do vocábulo avulsos, contido no inciso I, do artigo 22 da Lei nº 8.212 (ADIn n. 1153-7-DF, j. 11.11.94, rel. Min. Marco Aurélio, DJU I 18.11.94, p. 31.391).

Como o STF julgou inconstitucional a cobrança da contribuição social em relação a autônomos, empresários e avulsos, foi editada a Lei Complementar nº 84, de 18 de janeiro de 1996. O governo entendeu que mediante a edição de lei complementar poderia instituir outra fonte de recursos para a Seguridade Social, com base no parágrafo 4º, do artigo 195 da Constituição.

Os precedentes do STF mostram que o governo não pode pretender exigir por meio de lei ordinária contribuição previdenciária sobre verbas que não têm natureza salarial, mas indenizatória, pois indenização não tem o mesmo significado de salário. As leis ordinárias não podem dizer que é salário o que não tem natureza salarial, mas de indenização. Há, portanto, necessidade de lei complementar para instituir a incidência da contribuição previdenciária sobre indenização.

Posteriormente, foi editada a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que deu nova redação ao inciso I e à letra a do artigo 195 da Constituição. A contribuição social do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incide sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

III – FOLHA DE SALÁRIOS

3. Dispõe o inciso I, do artigo 195 da Constituição que a contribuição social dos empregadores destinada a custear a Seguridade Social incide sobre a folha de salários. É preciso verificar, portanto, o que vem a ser folha de salários.

Folha de salários deve ter uma interpretação restrita, pois só tem salário quem é empregado. Salário não se confunde, porém, com remuneração.

Mister se faz, inicialmente, constatar o conceito de salário no Direito Comparado, que pode ajudar no entendimento do tema.

O artigo 26 do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha define salário como a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, em dinheiro ou espécie, pela prestação profissional dos serviços por conta alheia, quer retribuam o trabalho efetivo, qualquer que seja a forma de remuneração, ou os períodos de descanso computáveis como de trabalho. Não considera salários as indenizações ou ressarcimentos de gastos conseqüentes do exercício da atividade profissional, as prestações e indenizações previdenciárias, as despesas de viagens e os pagamentos das suspensões do contrato e direitos de dispensa dos empregados.

A Lei Federal do Trabalho do México de 1970, no seu artigo 82, define salário como sendo a retribuição que deve pagar o patrão ao trabalhador por seu trabalho.

Na Argentina, remuneração é a contraprestação que deve receber o trabalhador como conseqüência do contrato de trabalho. O empregador deve remuneração ao empregado ainda que este não preste serviços, pela manutenção da força de trabalho à sua disposição (art. 103 do Decreto nº 390/76, que ordena o regime de contrato de trabalho determinado pela Lei nº 20.744/74).

Em Portugal, usa-se a palavra retribuição. Retribuição base é a que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido (art. 250, 2, a, do Código do Trabalho).

Nota-se no direito comparado que remuneração e salário têm o mesmo significado e são empregadas como expressões sinônimas, o que não ocorre na nossa legislação.

4. Em segundo lugar, deve-se examinar o conceito de salário oferecido pela doutrina brasileira. Dos vários conceitos emitidos pela doutrina sobre salário, assinala-se que o referido pagamento decorre do contrato de trabalho.

Arnaldo Süssekind afirma que "salário é, a nosso modo de ver, a retribuição devida pela empresa ao trabalhador, em equivalência subjetiva com o valor da contribuição deste na consecução dos fins objetivados pela respectiva tarefa". 1

Dorval de Lacerda declara que salário "é a remuneração, devida pelo empregador à pessoa que a ele está ligada por um contrato de trabalho, em virtude da prestação de serviços oriunda desse contrato".2

Orlando Gomes informa que "o termo salário foi reservado para a retribuição paga diretamente pelo empregador". 3

José Martins Catharino leciona que salário é a "contraprestação devida a quem põe seu esforço pessoal à disposição de outrem em virtude do vínculo jurídico de trabalho, contratual ou instituído". 4

Délio Maranhão ensina que "salário é a retribuição pelo trabalho prestado paga, diretamente, pelo empregador". 5

Mozart Victor Russomano assevera que salário é "o valor pago, diretamente, pelo empresário ao trabalhador como contraprestação do serviço por este realizado". 6

Ensina Amauri Mascaro Nascimento que salário "é o conjunto de percepções econômicas devidas pelo empregador ao empregado não só como contraprestação do trabalho, mas, também pelos períodos em que estiver à disposição daquele aguardando ordens, pelos descansos remunerados, pelas interrupções do contrato de trabalho ou por força de lei". 7

5. Houve evolução do conceito de salário, que não decorre apenas da contraprestação de serviços.

Reza o artigo 457 da CLT que "compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação dos serviços, as gorjetas que receber". O artigo 457 da CLT indica três termos: remuneração, salário e gorjeta.

Remuneração é um conjunto de retribuições recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidades, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer as suas necessidades vitais básicas e de sua família. 8

Caracteriza-se a remuneração como uma prestação obrigacional de dar. Não se trata de obrigação de fazer, mas de dar, em retribuição pelos serviços prestados pelo empregado ao empregador, revelando a existência do sinalagma que é encontrado no contrato de trabalho. Essa remuneração tanto pode ser em dinheiro como em utilidades, de maneira que o empregado não necessite comprá-las, fornecendo o empregador tais coisas. 9

A remuneração tanto é a paga diretamente pelo empregador, que se constitui no salário, como é a feita por terceiro, em que o exemplo específico é a gorjeta, cobrada na nota de serviço ou fornecida espontaneamente pelo cliente. Assim, a remuneração é o conjunto de pagamentos provenientes do empregador ou de terceiro em decorrência da prestação dos serviços subordinados. Segundo o artigo 457 da CLT é possível escrever a seguinte equação: remuneração = salário + gorjetas.

O salário correspondia ao valor econômico pago diretamente pelo empregador ao empregado em razão da prestação de serviços do último, destinando-se a satisfazer suas necessidades pessoais e familiares. Dentro dessa concepção, verifica-se que o salário corresponde ao pagamento feito pelo empregador e não por terceiros, ao contrário da remuneração, que engloba tanto o pagamento feito pelo empregador como o recebido de terceiros (a gorjeta). O salário é a importância paga pelo empregador ao obreiro em virtude da sua contraprestação dos serviços. Essa última afirmação mostra a natureza jurídica do salário, que é a forma de remunerar a prestação de serviços feita pelo empregado ao empregador. Poder-se-ia discutir que o salário não remuneraria efetivamente a prestação dos serviços, pois quando o contrato de trabalho está suspenso não haveria salário, ou quando o empregado estivesse aguardando ordens, mas à disposição do empregador, em que não haveria prestação de trabalho, porém existiria a obrigação do pagamento dos salários. É por isso que se costuma dizer que o salário seria uma forma de prestação daquilo que foi contratado, do contrato de trabalho, embora se possa dizer que o salário não remunera prestação por prestação, mas sim o conjunto do trabalho prestado, havendo exceções na lei que determinam que o empregador deva pagar o salário mesmo não havendo trabalho, pois, do contrário, o empregado não poderia subsistir.

A teoria do salário como contraprestação do trabalho entendia que inexistiria salário se não houvesse trabalho (Kein Arbeit, Kein Lohn). Essa teoria não explicava integralmente certas situações como o fato de o empregado estar adoentado e o salário ser devido nos 15 primeiros dias, nas férias. etc.

Surge a teoria da contraprestação da disponibilidade do trabalhador. Mario Deveali afirmava que o trabalhador põe a sua energia à disposição do empregador. Se este não a utiliza, não desaparece a obrigação de pagar o salário. O artigo 4º e o parágrafo único do artigo 492 da CLT determinaram que se considera tempo à disposição do empregador aquele em que o empregado fica aguardando ordens. Assim, mesmo no período em que o empregado não trabalha, mas está aguardando ordens, o salário será devido. O trabalhador fica inativo porque o empregador não determinou serviço ao obreiro. Isso mostra que não existe uma correspondência absoluta entre o trabalho prestado e o salário, pois mesmo quando o empregado não está trabalhando, mas está à disposição do empregador aguardando ordens, o salário é devido.

A teoria da contraprestação do contrato de trabalho indica que o pagamento feito a título de salário é decorrente do contrato de trabalho. Em Portugal qualquer pagamento feito como conseqüência do contrato de trabalho é salário (art. 82 do Decreto nº 49.408/69). Critica-se tal teoria, pois nem tudo que é pago ou prestado pelo empregador é salário, como, por exemplo, a indenização pela dispensa.

A última teoria entende que o salário é o conjunto de percepções econômicas do trabalhador. Tal conceito é desvinculado do plano objetivo. É encontrado no artigo 26 do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha de 1980, que considera salário "a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, em dinheiro ou espécie...". Tal teoria não considera, porém, as interrupções do contrato de trabalho.

Nota-se que, hoje, a natureza salarial do pagamento não ocorre apenas quando haja prestação de serviços, mas nos períodos em que o empregado está à disposição do empregador, durante os períodos de interrupção do contrato de trabalho ou outros que a lei indicar.

Por isso, salário é o conjunto de prestações fornecidas diretamente pelo empregador ao trabalhador em decorrência do contrato de trabalho, seja em razão da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou das demais hipóteses previstas em lei. 10

De tudo o que foi até aqui exposto, nota-se que o salário decorre da contraprestação do trabalho e de outras situações, mas desde que exista contrato de trabalho entre as partes.

Indenização, ao contrário, não é resultante da prestação de serviços, nem apenas do contrato de trabalho. No Direito Civil a indenização é decorrente da prática de um ato ilícito, da reparação de um dano ou da responsabilidade atribuída a certa pessoa. No Direito do Trabalho diz-se que há indenização quando o pagamento é feito ao empregado sem qualquer relação com a prestação dos serviços e também as verbas pagas no termo de rescisão do contrato de trabalho.

Para o caso em exame, bem expressiva é a afirmação de Orlando Gomes: "qualquer remuneração paga ao empregado sem trabalho prestado não é tecnicamente salário". 11 Ludovico Barassi assevera que se a remuneração paga ao empregado não decorre do trabalho, perde essa característica para assumir a de indenização. 12

É vedado, portanto, exigir contribuição previdenciária por lei ordinária sobre pagamento que não seja salário, pois viola a alínea a do inciso I, do artigo 195 da Constituição e também o parágrafo 4º, do artigo 195 da mesma norma.

IV – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA

6. A melhor forma de se interpretar a norma jurídica é a sistemática.

Afirma Carlos Maximiliano que "a verdade inteira resulta do contexto e não de uma parte truncada, quiçá defeituosa, mal redigida" 13 de determinado dispositivo. Menciona, ainda, que "não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituam elementos autônomos operando em campos diversos.

Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço". 14

"O hermeneuta eleva o olhar, dos casos especiais para os princípios dirigentes a que eles se acham sujeitos; indaga se, obedecendo a uma, não viola outra; inquire as conseqüências possíveis de cada exegese isolada. Assim, contemplados do alto os fenômenos jurídicos, melhor se verifica o sentido de cada vocábulo". 15

Caio Mário da Silva Pereira informa que o legislador guarda a presunção de sabedoria, que é incompatível com a existência de expressões ou regras inúteis. A obra de hermenêutica não pode fazer abstração de qualquer termo utilizado pelo legislador, mas perquirir o sentido da frase no jogo de todas as suas partes. 16

Assevera Jorge Miranda que deve "assentar-se no postulado de que todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma pode dar-se uma interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser ...". 17

Ensina Eros Grau que "não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado algum. 18

O inciso IV do artigo 8º da Lei Maior revela que a folha de salários refere-se à categoria profissional (empregados) e não a outras pessoas.

Verifica-se, ainda, do artigo 240 da Constituição a ressalva que foi feita quanto à exigência das contribuições sociais destinadas ao SESC, SESI, SENAI e SENAC. Tais contribuições sociais incidem sobre a folha dos salários dos empregados, o que mostra, também, que os empresários, autônomos e avulsos não têm folha de salários, apenas o empregado.

Assim, não se pode pretender inverter a ordem das coisas e exigir contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado, quando este não tem natureza salarial e não está compreendidas na folha de salários, até porque não é pago na folha de salários, mas no termo de rescisão do contrato de trabalho.

V – ANALOGIA

7. A analogia é uma forma de integração da norma jurídica. É usada quando exista lacuna na lei. Aplica-se a analogia de um determinado caso a outro semelhante.

Não se pode, porém, exigir tributo por analogia. A analogia não pode ser utilizada para entender que indenização tem significado semelhante ao de "folha de salários". O parágrafo 1º, do artigo 108 do CTN é expresso no sentido de que "o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei".

A contribuição previdenciária incidente sobre aviso prévio indenizado não está prevista na Constituição, que apenas menciona a exigência sobre folha de salários (art. 195, I). A obrigação tributária é ex lege, decorrente de lei e da determinação constitucional. Não se pode pretender exigir contribuição previdenciária sobre aquilo que não tem natureza salarial.

Se a Lei Magna dispõe textualmente que a contribuição previdenciária incide sobre a folha de salários, não se pode alargar a base de cálculo e incluir analogicamente o aviso prévio indenizado nessa disposição, pois assim o legislador constituinte não quis e não permite o CTN.

Amílcar de Araújo Falcão é claro no sentido de que a analogia não pode ser utilizada "quando dela resulte a criação de débito tributário". 19

VI – LEI COMPLEMENTAR

8. Para que houvesse, por conseguinte, a incidência da contribuição previdenciária de 20% sobre verbas indenizatórias, seria mister lei complementar (§4º, do artigo 195 da Constituição), que é a forma exigida pela Constituição para a exigência de outras fontes de custeio da Seguridade Social.

Declara o parágrafo 4º, do artigo 195 da Constituição que a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no inciso I, do artigo 154, da Norma Magna. Pela redação do dispositivo constitucional verifica-se que o constituinte estabeleceu a possibilidade de se instituir outras fontes para a manutenção ou expansão da seguridade social, não fazendo menção expressa a outras contribuições, mas a outras fontes de recursos. Do referido parágrafo não há a exigência expressa de que a lei complementar institua outra fonte sobre os mesmos sujeitos passivos contidos nos incisos I e II do artigo 195 do Estatuto Supremo, ou seja, de trabalhadores e de empresas, mas necessariamente a nova fonte deverá custear as prestações de assistência social, previdência social e saúde dos necessitados, de acordo com a previsão da lei, o que será feito de um modo geral em relação aos segurados, no caso da previdência social. Qualquer pessoa poderá ser escolhida, desde que tenha condições para contribuir, segundo o critério adotado pelo legislador. Nem se pode dizer que é implícita essa exigência de serem os mesmos sujeitos passivos, pois o legislador constituinte determinou a possibilidade de outras fontes serem criadas para a manutenção e expansão da seguridade social, independentemente que fossem de outros sujeitos passivos, pois mesmo assim serão novas fontes de custeio. 20

O referido inciso I, do artigo 154, da Lei Maior estabelece para tanto alguns requisitos a se observar: a- o primeiro requisito é formal, isto é, a nova contribuição deve ser instituída por lei complementar. Embora a oração do parágrafo 4º, do artigo 195 do Estatuto Supremo faça referência a "a lei poderá instituir’, essa lei é a complementar, pois o próprio parágrafo faz menção ao inciso I do artigo 154 da mesma norma, que prevê expressamente a necessidade de lei complementar para tratar da instituição de outros impostos. Não há necessidade de se verificar se a lei complementar tem hierarquia superior à lei ordinária, pois não há essa distinção na Lei Maior, apenas são definidas certas normas que precisam de quorum especial para determinadas matérias (art. 69), sendo uma questão de competência, definida na própria Lei Magna; b- desde que seja não-cumulativa e não tenha fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados na Constituição, isto é, impostos já existentes, que são os previstos nos artigos 153 (impostos da União), 155 (impostos dos Estados) e 156 (impostos dos Municípios). Isso também mostra que a contribuição social destinada a custear a Seguridade Social, prevista nos incisos I a III do artigo 195 da Lex Legum, pode ter o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo que outros impostos, além de ser cumulativa, porque há permissão constitucional nesse sentido, interpretando-se a contrario sensu o inciso I, do artigo 154 c/c §4º, do artigo 195 da Constituição. Apenas as "outras fontes" destinadas à manutenção e à expansão da Seguridade Social é que não podem ter fato gerador e base de cálculo de outros impostos já previstos no Estatuto Supremo.

Nesse ponto, poderia ser instituída contribuição previdenciária sobre verbas indenizatórias, desde que fosse por meio de lei complementar. O fato gerador e a base de cálculo não seriam os mesmos de outros impostos previstos na Constituição, salvo se a nova contribuição tivesse o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo do imposto de renda. A contribuição não seria cumulativa, pois incidiria uma única vez.

VII – AVISO PRÉVIO INDENIZADO

9. A contribuição previdenciária incide sobre verbas de natureza salarial e não sobre indenização. O inciso I, do artigo 195 da Constituição dispõe que a contribuição social do empregador incide sobre a folha de salários. A verba aviso prévio indenizado tem natureza de indenização, não sendo salário. Logo, mostra-se inconstitucional tal determinação. O STF já entendeu que a expressão folha de salários deve ser interpretada no sentido de o salário ser relativo ao empregado e não a autônomo. Pode-se aqui aplicar a mesma orientação. O artigo 457 da CLT define salário como o valor pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço. Não há serviço prestado se o pagamento é indenizado, como em relação ao aviso prévio indenizado.

Reza o inciso I, do artigo 28 da Lei nº 8.212 que se considera salário-de-contribuição, para o empregado, a remuneração efetivamente recebida ou creditada a qualquer título durante o mês. O aviso prévio indenizado e as outras verbas não têm natureza de remuneração, mas de indenização, pois não decorrem da prestação de serviços. Logo, não poderia haver a incidência da contribuição previdenciária sobre verbas indenizadas, em que não há prestação de serviços.

A Súmula 79 do extinto TFR já dispunha que não incidia a contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado.

O aviso prévio indenizado integra o tempo de serviço do empregado para todos os fins (§ 1º do art. 487 da CLT). Teria natureza salarial, porque se faz referência a salários do período no parágrafo 1º do artigo 487, da CLT. Este dispositivo mostra a projeção do aviso prévio, mas não que ele tem natureza salarial.

É de se destacar, porém, que a Previdência Social não considera para efeito da contagem de tempo de serviço o aviso prévio indenizado, que não projeta, para fins previdenciários, o contrato de trabalho por mais 30 dias, mas sim apenas o tempo efetivamente trabalhado. O artigo 55 da Lei nº 8.213/91 não faz referência a esse tempo, nem o artigo 60 do Regulamento da Previdência Social, estabelecido pelo Decreto nº 3.048/99.

A lei tributa de forma diferenciada o aviso prévio indenizado e as férias indenizadas, quanto à contribuição previdenciária. Sobre as férias indenizadas deixa de incidir a contribuição previdenciária (art. 28, § 9º, d, da Lei nº 8.212), enquanto sobre o aviso prévio indenizado há a referida incidência. O tratamento deveria ser igual ao das férias indenizadas, que têm natureza de indenização, pois não são gozadas, por isso o empregador paga a indenização substitutiva. No aviso prévio indenizado ocorre o mesmo, o empregado não trabalha, recebendo de forma indenizada os 30 dias que o empregador deveria proporcionar para procurar novo emprego, mantendo seu salário. É, portanto, uma forma indireta de instituir tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente, violando o inciso II, do artigo 150 da Constituição e o princípio da igualdade (art. 5º, II, da Lei Maior).

A alínea e do parágrafo 9º do artigo 28 da Lei nº 8.212 previa que o aviso prévio indenizado não tinha a incidência da contribuição previdenciária, seja a do empregado ou a do empregador, entendendo que não se trata de salário, mas de pagamento indenizatório. O mesmo raciocínio pode ser utilizado em relação ao FGTS.

Somente a lei pode prever a instituição de tributos ou a sua majoração (art. 97, I e II, do CTN).

Apenas a lei pode definir o fato gerador do tributo e a sua base de cálculo (art. 97, III e IV do CTN), diante do princípio da reserva legal em matéria tributária. O artigo 28, I, da Lei nº 8.212 ou seu parágrafo 9º não dispõem expressamente que a contribuição previdenciária incide sobre o aviso prévio indenizado. Pouco importa que na atual redação do artigo 28 da Lei nº 8.212, de acordo com a redação da Lei nº 9.528, não constou a exceção de não incidir a contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado.

Se não existe previsão na lei para a exigência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado, a referida contribuição não pode ser exigida, sob pena de afronta ao princípio da reserva legal tributária contido no inciso I do artigo 150 da Constituição.

O fato gerador tem de estar previsto em lei, em razão do princípio da legalidade tributária. Irrelevante, portanto, que o regulamento revogou hipótese que não contemplava a incidência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado. O Regulamento da Previdência Social não cria tributo.

Serve o aviso prévio indenizado para indenizar o empregado pelo término abrupto do contrato de trabalho, sem que haja trabalho nos 30 dias subsequentes. O empregado não está à disposição do empregador no período de aviso prévio indenizado, pois o contrato de trabalho já foi rescindido. Logo, não se pode considerá-lo como salário.

O aviso prévio indenizado não representa remuneração. Logo, sobre ele não incide a contribuição previdenciária.

A letra f, do inciso V do parágrafo 9º do artigo 214 do Regulamento da Previdência Social determinava que sobre aviso prévio indenizado não incidia a contribuição previdenciária. O regulamento interpretava corretamente o contido na lei e não era ilegal.

O inciso XXI do artigo 7º da Constituição não define a natureza jurídica do aviso prévio.

A Súmula 305 do TST trata da incidência do FGTS sobre o aviso prévio indenizado e não da contribuição previdenciária.

Não ocorreu o fato gerador da contribuição para se aplicar o artigo 116 do CTN.

Não existe contribuição previdenciária a exigir sobre aviso prévio indenizado para se aplicar os incisos I e II do artigo 195 da Constituição. A Lei Maior faz referência a incidência sobre folha de salários e não sobre aviso prévio indenizado.

O TST tem o mesmo entendimento:

Recurso de revista. Contribuição previdenciária. Incidência sobre o valor do aviso prévio indenizado. Acordo judicial. O entendimento da SBDI-1/TST é no sentido de que sobre a parcela recebida a título de aviso prévio indenizado não incide contribuição previdenciária, já que tal parcela possui caráter eminentemente indenizatória, porquanto o seu pagamento visa compensar o resguardo do prazo garantido em lei para se obter novo emprego. Assim, não se enquadra o aviso prévio indenizado na concepção de salário-de-contribuição definida no inciso I do artigo 28 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97, na medida em que não há trabalho prestado no período pré-avisado, não havendo, por conseqüência, falar em retribuição remuneratória por labor envidado. Óbice do artigo 896,§4º, da CLT e da Súmula nº 333/TST. Recurso de revista não conhecido (TST RR 578/2004-039-01-00-1, 8ª T., Rel. Min. Dora Maria da Costa, DJU 19.12.08).

RECURSO DE REVISTA. DESCABIMENTO. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO-INCIDÊNCIA. A Lei n° 9.528/97, que alterou a Lei 8.212/91, excluindo o aviso prévio indenizado do rol das parcelas que não integram o salário de contribuição (art. 28, § 9º), também alterou o conceito de salário de contribuição, conforme o texto do art. 28, I, do referido diploma legal. Decorre daí que o aviso prévio indenizado não faz parte do salário de contribuição, pois não se destina a retribuir qualquer trabalho. A conclusão vem corroborada pela Instrução Normativa MPS/SRP nº 3, de 14.7.2005 (DOU de 15.7.2005), a qual, em seu art. 72, VI, -f-, expressamente dispõe que as importâncias recebidas a título de aviso prévio indenizado não integram a base de cálculo para incidência de contribuição previdenciária. Assim, se remanesciam dúvidas, quanto à integração ou não do aviso prévio indenizado no salário de contribuição, em face do contido na nova redação do art. 28, § 9º, da Lei nº 8.212/91, em contraposição ao disposto no Decreto nº 3.048/99, em seu art. 214, § 9º, -f-, foram elas dirimidas pela própria Autarquia recorrente. Recurso de revista conhecido e desprovido (3ª T., RR 178200-13.2003.5.01.0053, j. 15/04/2009, Relator Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 29/5/2009).

VIII – CONCLUSÃO

10. Não se pode pretender exigir contribuição previdenciária sobre verbas que não têm natureza salarial, mas indenizatória, por meio de lei ordinária. O inciso I, do artigo 195 da Lei Magna dispõe que a contribuição previdenciária incide sobre verbas salariais. O parágrafo 4º, do artigo 195 da Constituição c/c o inciso I, do artigo 154 da mesma norma exige lei complementar para o estabelecimento de outras fontes de recursos para a Seguridade Social, como sobre aviso prévio indenizado.

Deixando-se de observar as regras anteriormente mencionadas, será inconstitucional toda exigência que pretender tributar, por intermédio da contribuição previdenciária prevista em lei ordinária, o aviso prévio indenizado.
NOTAS
1 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957, vol. I, p. 311.
2 - LACERDA, Dorval de. O contrato individual de trabalho. São Paulo: Saraiva, 1939, p. 165.
3 - GOMES, Orlando. O salário no direito brasileiro. São Paulo: LTr, edição fac-similada, 1996, p. 23.
4 - CATHARINO, José Martins. Tratado jurídico do salário, São Paulo: LTr, edição fac-similada, 1994, p. 90.
5 - MARANHO, Délio. Direito do trabalho. 16ª edição. Rio de Janeiro: FGV, 1992, p. 158.
6 - RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 6ª edição. Curitiba: Juruá, 1997, p. 299.
7 - NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 23ª ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 302.
8 - MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 88.
9 - MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 212.
10 - MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho – Fundamentos jurídicos. 11ª edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 45.
11 - GOMES, Orlando. O salário no direito brasileiro São Paulo: LTr, 1996, p. 24.
12 - BARASSI, Ludovico. Il diritto del lavoro, Milão: Giuffrè, 1949, vol. 2º, p. 230.
13 - MAXIMILIANO, Carlos- Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1981, pp. 129/30.
14 - MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 8ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965, p. 140.
15 - MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., 8ª ed., p. 141.
16 - PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 138.
17 - MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 452.
18 - GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/ aplicação do direito. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40.
19 - FALCÃO, Amílcar de Araújo. Interpretação e integração da lei tributária, in RDA, vol. 40, p. 51.
20 - No mesmo sentido já fiz manifestação no meu Direito da seguridade social (26ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 148).
(Informações bibliográficas: MARTINS, Sergio Pinto Incidência da Contribuição Previdenciária sobre Aviso Prévio Indenizado. Editora Magister - Porto Alegre. Data de inserção: 01/06/2010)

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