Cidade de Blumenau, Brasil

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Interesses fazendários jamais justificam lesões à CF - Parte 3/3 (artigo de Andrei Pitten Velloso)

Sem embargo, não foi isso o que ocorreu num julgado em que o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade de uma lei tributária que duplicara prazos de decadência e prescrição em favor do Fisco, contrariando frontalmente as disposições do Código Tributário Nacional.[4] Inúmeros juristas denunciavam a inconstitucionalidade. E o Pretório Excelso jamais acolhera a possibilidade de lei ordinária regular prazos decadenciais e prescricionais em matéria tributária. Pelo contrário, tinha precedente anterior à edição do ato normativo inconstitucional no sentido de que lei ordinária não pode regular prescrição em matéria tributária.[5] Visivelmente inapropriada a modulação dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade.
ConclusõesO direito de os contribuintes obterem a restituição de tributos pagos com base em leis inconstitucionais é uma decorrência direta da supremacia normativa da Constituição e do caráter heterônomo das obrigações tributárias, que somente podem advir do exercício legítimo do poder de império estatal.
Quando tal direito é negado em prol de interesses fazendários, não se está apenas a priorizar razões de Estado em detrimento da ordem constitucional, senão também a afirmar a irresponsabilidade financeira do Estado pela apropriação ilegítima da propriedade privada dos cidadãos e, por consequência, a possibilidade de o Poder Público financiar-se sem respeitar as rigorosas limitações ao poder de tributar cautelosamente estabelecidas na Lei Maior, mediante o recurso a uma nova e pródiga fonte de receitas: os tributos inconstitucionais não restituíveis.
Dessa irresponsabilidade financeira estatal por condutas inconstitucionais não decorrem apenas graves violações aos direitos fundamentais dos contribuintes, mas também uma radical supressão da força normativa da Carta da República, o que culmina por abalar seriamente os fundamentos basilares do nosso Estado Democrático de Direito.
Oxalá o Supremo Tribunal Federal se conscientize desse contexto e reafirme a sua tradicional e escorreita jurisprudência, firmada no sentido de que: “Nada compensa a ruptura da ordem constitucional. Nada recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao texto da Lei Fundamental. A defesa da Constituição não se expõe, nem deve submeter-se, a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias fundadas em razões do pragmatismo governamental.”
Desse ato de respeito à Carta Magna depende a subsistência da força normativa do sistema constitucional tributário — e, por consequência, a preservação dos direitos fundamentais dos contribuintes.

[1] STF, Pleno, ADI 2.010 MC, rel. Ministro Celso de Mello, julgada em 30.09.1999. Em seu voto, o Ministro Celso de Mello abordou, de modo direto, o constantemente alegado “rombo” da previdência: “desejo observar que não desconheço as graves distorções e a séria crise que afetam, dramaticamente, o sistema previdenciário nacional [...] A realização dessa tarefa, contudo, não pode ser efetivada sem que se respeitem, com estrita fidelidade, os valores delineados e as limitações impostas no texto da Constituição da República. Argumentos de necessidade, por mais respeitáveis que possam ser, não devem prevalecer, jamais, sobre o império da Constituição. Razões de Estado, por sua vez, não podem ser invocadas para legitimar o desrespeito e a afronta a princípios e a valores essenciais que informam o nosso sistema de direito constitucional positivo (Ag nº 234.163-MA (AgRG), Rel. Min. Celso de Mello)”.
[2] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 21-22.
[3] A respeito, há uma interessante decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que exigiu a existência de ao menos uma incerteza objetiva e relevante quanto ao alcance da regulação comunitária do IVA para que pudesse excluir a responsabilidade patrimonial da Espanha pelo seu descumprimento. Por não estar presente tal incerteza, o TJCE negou o pleito da Espanha de limitar, mediante a adoção de uma decisão meramente prospectiva, os efeitos do descumprimento da regulação comunitária, expondo que: “29. Por lo que respecta a la limitación en el tiempo de los efectos de la sentencia del Tribunal de Justicia que ha solicitado el Gobierno español, debe recordarse que sólo con carácter excepcional puede el Tribunal de Justicia, aplicando el principio general de seguridad jurídica inherente al ordenamiento jurídico comunitario, verse inducido a establecerla. 30. Para ello […], es necesario que pueda acreditarse que las autoridades estatales fueron incitadas a adoptar una normativa o a observar una conducta contraria al Derecho comunitario en razón de una incertidumbre objetiva e importante en cuanto al alcance de las disposiciones comunitarias en cuestión (véase, en este sentido, la sentencia de 12 de septiembre de 2000, Comisión/Reino Unido, C 359/97, Rec. p. I 6355, apartado 92). Pues bien, en este caso no existía tal incertidumbre. No procede, por tanto, limitar los efectos en el tiempo de la presente sentencia” (Sentença de 6 de outubro de 2005, grifos nossos). Sobre a responsabilidade financeira estatal por inobservância do Direito Comunitário, vide o minucioso artigo de Juan Ignacio Moreno Fernández: La responsabilidad patrimonial del Estado-legislador frente a disposiciones legales declaradas contrarias a la Constitución o al Derecho Comunitario, Revista General de Derecho Constitucional, nº 5, abril de 2008, que consultamos no arquivo gentilmente cedido pelo autor.
[4] STF, Pleno, RE 556.664, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/06/2008.
[5] STF, 1ª Turma, RE 106.217, rel. Min. Octavio Gallotti, julgado em 08/08/1986.
(Fonte: Rev. Consulto Jurídico.com)

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