Cidade de Blumenau, Brasil

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domingo, 22 de julho de 2012

A imunidade dos livros, jornais, periódicos, papéis e a sua impressão (por Lais Andrade Vasconcelos)

"Art. 150 (CRFB/88) - Sem prejuízo de outras garantias
asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
 ...
VI - instituir impostos sobre:
 ...
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão"

Existem duas teses que se referem à imunidade tributária, que é uma limitação ao poder de tributar. A primeira diz que se a limitação está prevista na Constituição, é imunidade. Já a segunda tese, que é a defendida por RLT, vincula a imunidade aos direitos e garantias fundamentais, que estão espalhadas por toda a Constituição, e não apenas no seu título referente.

A CF estabelece, diversas categorias de imunidade, sendo algumas de caráter subjetivo e outras de caráter objetivo. A imunidade de livros, jornais, periódicos e papel destinados à impressão referem-se a uma imunidade objetiva, pois dizem respeito à coisa e são imunes independentes de seu conteúdo moral ou pornográfico. Pelo caráter subjetivo da imunidade, destaca-se a sua função intrínseca, a de proteção aos meios de comunicação de idéias, conhecimento, informação, enfim meios de expressão do pensamento que são de interesse sócio cultural. Para Marciano Seabra de Godoi. “(...) o fundamento da imunidade é proteger a liberdade de expressão intelectual e a liberdade de informação”.

A imunidade também serve para garantir a oportunidade de expressarmos os no pensamento livremente sem ônus. Assim versa Supúlveda Pertence na ADIN 939 dizendo que “(...) a finalidade é a proteção ao direito básico de manifestação do pensamento.” Dessa forma, a ausência de um maior custo oneroso sobre o valor dos elementos elencados no art. 150, IV,d, visa garantir que as pessoas com menos condições financeiras possam ter acesso à cultura, informação e conhecimento.

O período militar foi marcado por diversas incursões restritivas aos direitos fundamentais. Assim, com a elaboração da nova Constituição pós-regime militar, é interessante perceber a quantidade de artigos referentes à garantia de liberdade de expressão, acesso à cultura, informação, enfim, um grande número de normas com textura aberta, afim de que fossem resgatados os valores fundamentais, até então restritos. Podemos extrair alguns arts. da Magna Carta que referem–se ao valor intrínseco à proteção dos elementos ao art. 150, VI, d, tais como os artigos 5º, incisos IV, VI, XII, VIII e IX; 215, 216 e 220.

Um grande número de normas foram criadas e o legislador ao longo do tempo passou a delimitar o que estaria ou não sujeito à imunidade tributária. Cabe analisar o posicionamento de Aliomar Baleeiro que diz: "a finalidade da regra imunizante não é apenas 'difundir a cultura', mas especialmente evitar que o tributo seja utilizado como forma de censura. Esse ponto de vista nos remete ao pensamento do legislador de 88 ao interpretar pela não tributação dos livros, jornais e periódicos. Evitando assim, com que, uma “recente a manobra ditatorial de subjugar o jornalismo por meio de contingenciamento do papel importado”. Assim se percebe que o porque da não tributação estendida ao papel.

Aliomar Baleeiro, defende que: “A Constituição alveja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura através dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação do pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária.”. Percebe-se assim, que além da função extralegal que a não tributação exerce, ela pode ser crucial também para que se garanta o Estado Democrático de Direito, que presume um certo pluralismo político e o direito à oposição. Por fim Aliomar Baleeiro ainda versa que “o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade da manifestação do pensamento (…) e de direitos que não são apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime democrático.”

Na maioria dos países do mundo, a regra é a tributação ao contrário do Brasil que deu preferência à não tributação dos elementos contidos no art. 150, IV, d, tendo em vista o valor fundamental intrínseco. Vale lembrar da "Lei do Selo", imposto que insidia sobre jornais nos Estados Unidos da América quando ainda eram uma colônia inglesa, e que foi, inclusive, causa da independência dos norte americanos, ocorrida a 04 de julho de 1776.“A história nos mostra é um fato oposto. Países como Inglaterra, Áustria e Turquia, no século XIX, possuíam leis que gravavam de altos impostos o papel destinado à impressão de livros e jornais, com o intuito de se tentar conter a liberdade de expressão. Na Inglaterra, por exemplo, existia, ainda, a tax on the knowledge, que era um imposto sobre o conhecimento, sobre informações , e que pesava sobre os jornais, no entanto, já foi extinto.”

O livro não é um conceito fechado, nessa linha, a doutrina entende que a imunidade deverá se estender também a outros objetos compreendido como veículos de informação e cultura, que não seriam, necessariamente, entendidos como livros. Temos como exemplo o entendimento da expansão da imunidade às listas telefônicas, apostilas (RE 183.403-0), encadernações acadêmicas , álbuns de figurinhas (RE 221239), os papéis e filmes fotográficos e importação de encartes e capas para livros didáticos a serem distribuídos em fascículos semanais aos leitores do jornal (RE 225.955). São excluídos da imunidade outros insumos, tais como as máquinas e as tintas.

O STF considerou imunes as listas telefônicas (RE 37071), por sua utilidade pública. Interpretou favoravelmente à imunidade, tendo em vista o valor subjacente que ela traz em sua essência, que é o de acesso à informação, que se configura em um direito fundamental previsto constitucionalmente. No entanto, no que diz respeito às páginas amarela, o STF não guardou a mesma sorte, por entender que é um livro apenas destinado a vender produtos.

Sobre o tema da imunidade do livro eletrônico, a doutrina fica dividida. Segundo Oswaldo Saraiva Filho, a única maneira de a imunidade alcançar a imunidade seria por meio de mudança no texto constitucional e RLT é favorável também à tributação, por entender que a tecnologia em 88 já permitia que o legislador, se quisesse, incluir a imunidade aos livros. Assim foi uma opção do Legislador não abranger as especificidades referentes aos livros, e mesmo assim, não os fez. A tese restritiva diz respeito à imunidade apenas à mídia escrita tipográfica, tendo como base o papel, não abrangendo assim, os eletrônicos.

Quem defende a imunidade se agarra às premissas da liberdade de pensamento, expressão, informação, que são direitos subjetivos públicos e constituem imunidade genérica. Assim a imunidade do papel destinado à impressão não pode acabar por excluir da proteção constitucional, outros instrumentos de exteriorização e difusão da cultura tecnológica, que por força da globalização não precisa ser imprenso, nessa linha de pensamento favorável à imunidade podemos ver a Apelação Cível 199600101801 do TJRJ, proferiu a seguinte sentença:

“Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Inteligência do”. artigo 150, VI, d, da Constituição Federal. Comercialização do dicionário Aurélio Eletrônico por processamento de dados, com pertinência exc lusiva ao seu conteúdo cultural – “software”. A lição de Aliomar Baleeiro: “Livros, jornais, e periódicos transitem aquela idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile destinado a cegos”. A limitação ao poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio “no tax on knowledges”. Segurança concedida.

Trechos referentes às decisões sobre a matéria em questão:

(RE 221239) “Imunidade – impostos, livros, jornais e periódicos – Artigo 150, inciso VI, alínea d, da”. Constituição Federal. A razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normalizados, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o papel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos como são os filmes e papéis fotográficos.”“

(RE 34071) TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. EXIGÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) SOBRE A EDITORAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUÇÃO INDUSTRIAL E DISTRIBUIÇÃO DE LISTAS TELEFONICAS. INQUINADA OFENSA AO ART. 19, III, D, DA CARTA DE 1969. Orientações jurisprudenciais do STF, no sentido de que não estão excluídas da imunidade constitucional as publicações "que cuidam de informações genéricas ou especificas, sem caráter noticioso, discursivo, literário, poético ou filosófico, mas de inegável utilidade pública, como e o caso das listas telefônicas". Recurso provido.

(RE 178863) CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. JORNAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. C.F., art. 150, VI, d.
I. - O Supremo Tribunal Federal decidiu que apenas os materiais relacionados com papel (papel fotográfico, papel telefoto, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas, papel fotográfico p/fotocomposição por laser) é que estão abrangidos pela imunidade tributária do art. 150, VI, d, da C.F.
II. - Precedentes do STF: RREE 190.761-SP e 174.476-SP, Ministro F. Rezek p/acórdão; RREE 203.859-SP e 204.234-RS, Ministro M. Corrêa p/acórdão, Plenário, 11.12.96. Votos vencidos do Min. C. Velloso, que entendia cabível a imunidade tributária em maior extensão.
III. - RE. conhecido e provido.

Súmula 657: A IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 150, VI, "D", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ABRANGE OS FILMES E PAPÉIS FOTOGRÁFICOS NECESSÁRIOS À PUBLICAÇÃO DE JORNAIS E PERIÓDICOS.

(RE 289.370-6) ICMS - INSUMOS PARA COMPOSIÇÃO DE JORNAL - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e 203.706) de que apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição. No caso, trata-se de filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas a ser utilizados no processo de confecção de jornal, razão por que o acórdão recorrido, por tê-los como não abrangidos pela referida imunidade, e, portanto, não imunes ao ICMS, divergiu da jurisprudência desta Corte. Recurso extraordinário conhecido e provido.

(RE 193.973-7) "ICMS - PAPEL FOTOGRÁFICO - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - ART. 150, VI, D, CF. O Plenário do Supremo Tribunal, ao julgar os RREE 174.476-SP e 190.761-SP, entendeu que a imunidade prevista no art. 150, VI, d, da Constituição, abrange o papel fotográfico destinado à composição de livros, jornais e periódicos, razão pela qual o ICMS não incide sobre o referido insumo importado por empresas jornalísticas. Recurso extraordinário conhecido e provido.
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IMUNIDADES ESPECÍFICAS A IMUNIDADE DOS LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E O PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO. Por Eduarda Alvim "A regra da imunidade é estabelecida em função de consideração de ordem extrajurídica. Através da imunidade, nos termos em que está disciplinada na Constituição Federal, torna-se possível a preservação de valores sociais das mais diversas naturezas: políticos, religiosos, educacionais, sociais e culturais." 1 A Constituição, em seu artigo 150, VI, "d", veda à União, os Estados e os Municípios que instituam impostos sobres livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. E é sobre este instituto constitucional que pretendo esclarecer alguns pontos, outros, diversos do que já foi tão bem explicado acima. Muitas vezes se entende que o fundamento para tal imunidade seria a melhor e maior propagação da cultura em nosso país, no entanto, para isso outras inúmeras medidas poderiam ser tomadas. A questão que se coloca é que o tributo, e é importante ressaltar que por mais que a CF use a palavra “impostos” a interpretação deve estender-se a todos os tipos de tributos, não deve ser usado como meio de censura. Caráter este que ganha especial relevância depois de anos de ditadura em nosso pais, vale lembrar que “the power to tax involves the power to destroy” e a tributação por mais que pudesse ser vista como uma forma indireta, poderia ser muito eficiente como meio de censura. Hugo de Brito Machado Segundo, mestre em direito pela UFC salientou em seu blog que para fins de incentivar a cultura bastaria uma mera isenção, a imunidade tem maior peso, está no rol de garantias constitucionais protegidas inclusive de emendas tendentes a abolí-las. "a finalidade da regra imunizante não é apenas 'difundir a cultura', mas especialmente evitar que o tributo seja utilizado como forma de censura (...). Por conta disso foi que se incluiu, a partir da Constituição de 1946, a referência também ao papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos. Como observa Aliomar Baleeiro, à época “estava muito recente a manobra ditatorial de subjugar o jornalismo por meio de contingenciamento do papel importado' Dentre as “outras medidas” que poderiam ser tomadas podemos ressaltar políticas como a americana, de livre e intenso intercâmbio de informação entre instituições acadêmicas, bibliotecas públicas e privadas ... Outra discussão interessante de se trazer à tona seria a de valorar as publicações, aquelas mais úteis ou cultas seriam abarcadas pela imunidade enquanto outras como as pornográficas não estariam protegidas pelo instituto. Esta é uma idéia recorrente no cenário da imunidade específica dos livros, mas, é uma questão de liberdade de expressão. Um quadro maior, trata-se de restringir ou não a liberdade de expressão, princípio este que a imunidade tem por fim zelar. Se faz essencial ressaltar que a CF não faz referência a nenhum tipo de valoração, ela abarca e, segundo decisão do STF: “não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural”2 Tanto o aspecto da censura quanto este de valorar as obras me pareceram interessantes de acrescentar ao que foi dito no material didático e no trabalho acima, espero que tenham incrementado o tema já tão bem tratado. Façam bom proveito! 1 José Souto Maior Borges, Isenções tributárias, op. cit., p. 211 2 STF, 1ª T, RE nº 221.239-6/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 25/5/2004, DJ de 6/8/2004, RDDT 109/165. (Fonte:FGV-Rio.com)

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