Cidade de Blumenau, Brasil

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domingo, 22 de julho de 2012

O que é PARAFISCALIDADE? (por Camila de Oliveira)

Ao observarmos a dinamicidade a que se submetem as relações sociais e econômicas vividas pela sociedade contemporânea, percebemos que tais mudanças refletem incisivamente nas formas de organização e suporte de um Estado para com o atendimento das necessidades de sua população.
 
É no contexto de flexibilização das matérias apreciadas pelo Poder Político, fixado principalmente pela explosão do Estado do Bem-Estar Social, que começam a se multiplicar as expectativas do cidadão perante os benefícios pleiteados frente à atividade governamental.
 
Neste sentido, pode-se afirmar que fora a partir de 1946 que a expressão "Parafiscal" inaugurou as páginas financeiras. Primeiramente na França, com a chegada do Inventário Schuman, a classificação “Parafiscal” fora designada à apreciação de determinados tributos que ora atuavam como impostos, ora como taxas e às vezes como um misto destas duas categorias. Outra peculiar característica do citado Inventário era sua atribuição à entidades de caráter autônomo, competentes para o desempenho de fins públicos. Seja ao contemplar cotas para seguros sociais do Estado (em outras palavras, a previdência social), do salário-família, das contribuições em casos de acidentes no trabalho, das coletas pela administração fiscal para determinados órgãos públicos ou das contribuições para órgãos de representação e defesa de interesses profissionais, a ordem econômica francesa revestiu-se de novos direitos, sendo estes favoráveis à ação de entidades como a Associação Francesa de Normalização, o Fundo Nacional de Solidariedade Agrícola, entre outras.
 
Tendo o conceito de parafiscalidade sido disseminado internacionalmente pela intensificação da transmissão de culturas, regras e costumes - ou de forma mais geral, do próprio processo de globalização – o tributo ao qual fosse atribuído como objetivo a “arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas” – tal como disposto por Marcelo Hugo da Rocha – ou aos quais fosse aplicada uma “técnica que, em regime de intervencionalismo econômico e social, visa a desenvolver e empregar receitas de aplicação especial, fora do orçamento, arrecadas compulsoriamente, por conta de organismos de economia dirigida, organização profissional ou previdência social, seja diretamente pelos entes beneficiários, seja pelas estações arrecadadoras do Estado", nas palavras de Jean G. Merigot, pode ser caracterizado como Parafiscal. Destarte, vale lembrar que para Bernardo Ribeiro de Moraes, a caracterização das contribuições parafiscais dar-se-ia através de determinados elementos essenciais, tais como “seu caráter compulsório, a não-inclusão da respectiva receita no orçamento do Estado, o destino de sua arrecadação para custeio de atividades estatais voltadas para atender necessidades econômicas e sociais de certos grupos, setores ou categorias da coletividade, caráter social e especial e, ainda, contaria com uma administração de sua receita por entidades descentralizadas, podendo estar serem não-estatais, porém delegatárias do Estado.”
 
Com o crescimento do interesse em aumentar a eficácia das prestações públicas a partir da consolidação de contribuições parafiscais, o Brasil agregou a seu sistema a “modalidade parafiscal”. No que tange à classificação das Contribuições parafiscais, Misabel Abreu Machado Derzi disserta à luz do disposto no artigo149 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mostrando que tais contribuições poderiam ser dividas em três categorias distintas, respondendo estas por “Sociais” ( relacionando-se àquelas destinadas ao custeio da Seguridade Social, tal como a COFINS, a Contribuição para SAT e o PIS-Pasep), de “Intervenção no Domínio Econômico” (como por exemplo a AFRMM - Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante) ou “Corporativas” (tais como as contribuições que os advogados pagam à OAB). Em contrapartida à disposição de Derzi, há uma vertente doutrinária que tende a convergir com a idéia de Hugo Brito de Machado, onde Contribuições Especiais dividir-se-iam duplamente em “Contribuições Sociais” (em que estas seriam subdividas pelas de Intervenção no Domínio Econômico e as de Interesse de Categorias Profissionais ou Econômicas), e “Contribuições de Seguridade Social".
 
Quando atentamos para a Natureza das Contribuições Parafiscais, vozes da doutrina brasileira como Ives Gandra Martins, Ruy Barbosa Nogueira, Vittorio Cassone, Roque Antonio Carrazza, Hugo de Brito Machado, Aliomar Baleeiro e Alfredo Augusto Becker partilham de um entendimento em que estas seriam naturalmente caracterizadas como Tributos. Ainda, pode-se dizer que compartilha desta mesma forma de interpretação o Supremo Tribunal Federal, tendo este como base de sua análise a compulsoriedade destas contribuições, a aquisição de receita estatal gerada por estas, a posição geográfica em que as mesmas se encontram na Carta Magna (nas disposições acerca do Sistema Tributário Nacional) e finalmente por estarem as Contribuições Parafiscais em sintonia com o conceito de tributo existente no Art. 3º do CTN. Não obstante, podemos observar no Caderno de Pesquisas Tributárias um entendimento do plenário onde este admite que “por expressiva maioria, acata a posição predominante nas Comissões de que as contribuições especiais têm natureza tributária e que são contribuições especiais ao Fundo PIS-PASEP", mostrando-nos mais uma vez um entendimento de que tais contribuições funcionam, na prática e sem prejuízo da tese, como verdadeiros Tributos. Ainda, vale lembrar que mesmo em apreciações passadas, como ocorrera no 2º Encontro Regional Latino-Americano de Direito Tributário, realizado em Porto Alegre em 1976, conclui-se que as contribuições especiais seriam “tributos com características próprias que as distinguiriam de impostos e das taxas”, o que não nos permite negar, exatamente por conta de sua natureza dicotômica, uma característica única, que majoritariamente a relaciona com um Tributo.
 
Na prática, podemos citar casos como a indecisão da natureza jurídica do contrato de leasing como recorrente exemplo da necessidade de se definir a mesma, afim de analisarmos as normas, direitos ou deveres que a acompanham. Tal como assinala Orlando Gomes, "todo instituto jurídico tem no sistema seu lugar próprio. Encontrá-lo, é determinar-lhe a natureza. A localização importa para melhor compreensão e exata das regras que o compõem".
 
No mais, ao atentarmos para as diferenciações existentes acerca do referido tema, facilitamos a contestação de possíveis impostos utilizados como Contribuição parafiscal por parte do próprio governo, ou tal como narra Marcelo Hugo da Rocha, observaríamos como vêm sendo praticada a “instituição de impostos pelo Estado sob a denominação de "contribuição" a fim de burlar as limitações constitucionais ao poder de tributar, principalmente em relação às contribuições para o custeio da seguridade social (art.195), por serem exceção ao princípio da anterioridade da publicação da lei ao exercício de sua eficácia. Por exemplo, a transformação de IPMF (imposto) para CPMF (contribuição).”
 
Assim, vemos que a parafiscalidade no Brasil pode ser compreendida como uma espécie tributária com a destinação de ingressos à órgãos paraestatais, sendo estes responsabilizados pelo atendimento à políticas públicas não essenciais ao Estado, com a finalidade de descentralizar o poder público, permitindo uma maior eficácia.
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CRFB/88:
  • Art. 149.: “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”.
  • Art. 195.: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais...”.
  • Art. 146.: “Cabe à lei complementar: d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único.: A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I- será opcional para o contribuinte; II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.”
  • Art. 150.: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei...”
  • Art. 239.: “A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.”
 Código Tributário Nacional
  •  Art. 3º.: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
(Fonte:FGV-Rio.com)

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