Cidade de Blumenau, Brasil

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quinta-feira, 14 de abril de 2011

FATO GERADOR PENDENTE: o que é? (artigo de Carlos Lange)

1. Apontamentos preliminares.
No Código Tributário Nacional, fato gerador é a “situação definida em lei como necessária e suficiente a sua ocorrência” (art. 114). Em outras palavras, o fato gerador tributário é a materialização da hipótese de incidência, de mesma natureza.
Os pressupostos de necessidade e suficiência, reunidos no dispositivo acima transcrito, indicam os aspectos essenciais à ocorrência de uma circunstância que principia o dever tributário, que pode ser:
i. entrega compulsória de dinheiro ao Estado;
ii. prática ou abstenção de um ato, igualmente ex lege, que não seja a entrega de dinheiro, mas que se relaciona com a obrigação tributária.
Vale dizer, para surgir a obrigação tributária, é indispensável (“necessária”) e basta em si mesma (“suficiente”) a concretização da previsão legal (hipótese de incidência).
A hipótese de incidência é a descrição de uma situação, ou uma definição legal, evidentemente abstrata, porquanto até então apenas uma norma.
Por sua vez, o fato gerador é a efetivação in concretu da referida situação.
Assim, amparados em Kelsen(1), pode-se concluir que o fato apto a dar nascimento à obrigação tributária é aquele descrito hipoteticamente numa norma legal.
Importa ressaltar, nesse momento, que hipótese de incidência não é a mesma coisa que fato gerador. São institutos totalmente distintos. Enquanto o primeiro é a descrição de um fato, o segundo é o próprio fato, como bem assevera Geraldo Ataliba(2). No mesmo diapasão, prescreve Celestino ao observar que “a lei estabelece a obrigação de pagar [tributo], mas esta só nasce no momento em que ocorra o pressuposto ou situação de fato que serve de suporte do tributo”(3), deixando claro que, embora indissociáveis, as figuras jurídicas não se confundem.
A palavra final sobre o assunto é dada pelo tributarista espanhol Perez de Ayala ao enfatizar que “a hipótese legal é só uma definição contida na lei. Pertence ao mundo dos valores jurídicos. Pelo contrário o fato imponível real [= a fato gerador] é a realização dessa hipótese legal. Pertence ao mundo da realidade fática.”(4)
2. Fato Gerador Pendente
Amilcar de Araújo Falcão definiu o fato gerador da obrigação tributária como sendo “o fato, o conjunto de fatos ou o estado de fato a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado” (5) em consonância com o art. 116, do CTN.
Da acurada observação de Araújo Falcão depreende-se que a circunstância perfeita e acabada que faz surgir a obrigação tributária pode se constituir em um único evento ou no somatório de dois ou mais. Na primeira situação, está-se diante de um fato gerador simples; na segunda, perante um fato gerador complexo. O mesmo jurista classifica as espécies, respectivamente, em instantâneos e complexivos (também chamados de “continuativos, periódicos ou de formação sucessiva”) (6), atribuindo àqueles a capacidade de gerar a obrigação tributária no momento em que ocorrerem; a estes a prerrogativa de causar a obrigação somente após o decurso de um período de tempo, reunião de circunstâncias ou acontecimentos.
Na dicção do CTN, o fato gerador complexivo se chama fato gerador pendente e sua definição está alojada no art. 105, assim entendido aquele cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos temos do art. 116 (7).
O momento em que o fato gerador é considerado ocorrido e, portanto, apto a ensejar o seu resultado (nascimento da obrigação tributária), refere-se ao aspecto temporal da hipótese de incidência.
Na lição de Ataliba, o aspecto temporal é o momento em se deve reputar consumado (acontecido, realizado) um fato imponível. (8)
No sistema tributário brasileiro, o Imposto de Renda é o típico exemplo do tributo cujo fato gerador é do tipo periódico. Como diz Amaro, não ocorre “hoje ou amanhã, mas sim ao longo de um período de tempo, ao término do qual se valorizam ‘n’ fatos isolados que, somados, aperfeiçoam o fato gerador do tributo.”(9)
Segundo esse entendimento, o fato gerador do Imposto de Renda não se dá em um momento específico, como no caso dos tributos cujo fato gerador é instantâneo (p. ex.: ICMS), mas com o decurso de um determinado período de tempo. Nesse tipo de tributo, isto é, de formação sucessiva, periódica, o fato gerador se torna perfeito, acabado, pronto a produzir seu efeito seu efeito mais eloqüente – a obrigação tributária – ao cabo do transcurso do tempo previsto na norma de incidência.
Com efeito, compete ao legislador determinar a forma e o momento em que se considera consumado o fato gerador. É o que assevera Dinifi: “Note-se, pois, que a fixação do período de duração do fato gerador complexivo fica à discricionariedade do legislador. Poderá determinar que seja trienal, anual, semestral, mensal, até diário. É uma escolha legislativa, ditada por critérios de praticidade fiscal.” (10)
Para ilustrar de forma bastante didática o fato gerador complexivo, Amaro (11) alude à partida de futebol. Segundo o citado estudioso, o resultado da partida somente pode ser confirmado ao seu término, independentemente do placar em determinado momento do jogo. Assim, também, o fato gerador em comento. Só se aperfeiçoa ao término de um período de tempo, digamos quando se der o apito final, sendo que qualquer situação vista individualmente no curso do tempo (ou do jogo) não é suficientemente capaz de apontar a conseqüência definitiva (seja o vencedor do jogo, seja a obrigação tributária).
A apropriada ilustração de Luciano Amaro faz lembrar a máxima segundo a qual “não se muda a regra durante o jogo”, cujo preceito pode ser aproveitado em relação à aplicação da legislação tributária.
3. Aplicação da legislação tributária que aumenta o tributo
No caso de tributo com fato gerador complexivo, típico do Imposto de Renda, a legislação que aumentar o imposto somente poderá ser aplicada aos fatos que vierem a ocorrer a partir do ano seguinte ao da publicação da norma por força do princípio da anterioridade previsto no art. 150, III, “b”, da CF/88. Do contrário, admitir-se-ia o absurdo de alterar a regra do curso da constituição do fato gerador do tributo.
De fato, não há como se ter por aplicável uma norma dessa natureza em relação aos fatos que vierem a ocorrer no exercício em curso, porquanto o caput do art. 116, combinado com o seu inciso I, do CTN, são bastante claros ao fixar que se considera ocorrido o “fato gerador e existentes os seus efeitos...tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as condições materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios.”
Em consonância com os aspectos que lhe distinguem o fato gerador do tipo complexivo, só opera seus efeitos uma vez decorrido o lapso de tempo previsto na legislação para a sua formação.
Assim, por exemplo, a aquisição da disponibilidade econômica, fato gerador do IR, por ocorrer num determinado período de tempo (em razão de previsão legal), torna-se definitivamente constituída com o decurso desse lapso temporal.
Antes da finalização desse espaço de tempo, não há que se falar em fator gerador, ainda que já tenha iniciado o exercício, passível de sofrer os efeitos da norma legal que opera a majoração da carga tributária.
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Notas:
1. Em “Teoria General Del Estado”, apud ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 3ª. ed. ampliada. São Paulo: RT, 1984, p. 55.
2. Op. Cit., p. 54.
3. CELESTINO, João Baptista. Direito Tributário nas Escolas. 4ª. Ed. São Paulo: SUGESTÕES LITERÁRIAS, 1980, p. 46.
4. Apud ATALIBA. Op. cit., p. 57.
5. Em Fato Gerador da Obrigação Tributária. 2ª. ed. São Paulo: RT, 1971. Apud CELESTINO, op. cit., p. 45.
6. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. II, 2ª. ed. São Paulo:ATLAS, 2008, p. 326. Já para Luciano Amaro, na sua obra Direito Tributário Brasileiro (12ª. Ed. Sâo Paulo:SARAIVA, 2006, pp. 267ª a 271, essa denominações não são sinônimos, constituindo-se figuras distintas, quando muito assemelhadas.
7. “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)."
8. Op. cit., p. 87.
9. Op. cit., p. 268.
10. DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de Direito Tributário. 3ª. ed. atual. São Paulo: SARAIVA, 2006, p. 196.
11. Op. cit., p. 268.

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